tag:blogger.com,1999:blog-74129417258867094802024-03-05T05:37:00.851-08:00BLOGCORPOO blogcorpo tem com principal objetivo criar uma interface de comunicação com pessoas interessadas em estudos sobre o corpo e a cultura de movimento, bem como sobre a fenomenologia de Merleau-Ponty.Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.comBlogger16125tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-62401609318300190032014-04-08T14:18:00.000-07:002014-04-08T14:18:41.857-07:00Foucault e a noção de Episteme:
Comentário sobre o último cap. X Do livro As palavras e as coisas – As ciências humanas
Algumas notas biográficas sobre Foucault
De acordo com Dosse (2007), Michel Foucault tratou com frequência da difícil problematização existente entre a escritura e a vida individual. Mas, ele falava pouco sobre si mesmo. Nasceu em outubro de 1926, em Poitiers, centro-oeste da França. Tinha o mesmo nome do pai, que era médico: Paul-Michel Foucault. Ele abandonará parte do seu nome. Esse ponto biográfico não é menos importante no que diz respeito às orientações futuras do filho-filósofo e de sua “denegação constante da dimensão da paternidade, da dimensão do nome e da autoridade. Ele rompe com o pai que sempre dizia que se ele não se tornasse médico deveria ser pelo menos professor na Sorbonne.
Embora não tenha abraçado a carreira médica, foi bastante marcado pelo modelo da medicina, um prisma a partir do qual é possível apreender as ciências humanas, a partir de seus traços visíveis, de suas diversas positividades e também pelo seu lado negativo, à maneira do médico que procura restabelecer a saúde tratando a doença.
A obra de Foucault também será marcada pela experiência dramática da guerra e da morte. A guerra é uma espécie de alicerce para suas reflexões sobre a estratégia, a tática dos poderes, de rupturas e relações de força e sobre a governabilidade.
O jovem Foucault ingressa no ciclo preparatório para a ENS, rue d’Ulm, sendo reprovado pela primeira vez por uma diferença de pontos. Passa a morar em Paris, para se preparar melhor para um novo exame no ano seguinte, sendo admitido em 1946. Estudando na ENS, também frequenta os cursos da Sorbonne, entre eles os famosos e concorridos cursos de Merleau-Ponty sobre a fenomenologia e a linguagem. Ele declara sobre Merleau-Ponty: Ele nos fascinava!
Na ENS aproxima-se de Althusser e do Partido comunista francês. Ia todas as semanas ao hospital Sainte-Anne ouvir o seminário do desconhecido Dr. Lacan. Ele aludia muitas vezes a metáfora do espelho em todo o seu refinamento. A leitura de Nietzsche o impressionou e o marcou profundamente. Revejo Foucault lendo ao sol, na praia de Citavechhcia, as Considerações intempestivas. Ele parte para o exílio em 1955, na Suécia, onde conhece Georges Dumézil. Em maio de 1961 defende sua tese sobre a história da loucura, sob a direção de Canguilhem. Todas essas referências contribuíram para o conjunto de seu projeto de pensar o fora, o distante, a busca dos limites do espaço exterior (heterotopias).
Os três eixos da obra – conforme Salma Muchail
1- A verdade – como se constitui historicamente saberes em discursos que foram qualificados como verdadeiros
2- O poder – destaca o vínculo entre os discursos e as práticas sociais, atrelados à produção de saberes tidos como verdadeiros e a desqualificação de outros.
3- O sujeito ético – o homem como sujeito não apenas epistemológico (que produz representações), mas o sujeito da ação, o sujeito ético (hermenêutica do sujeito).
De acordo com Muchail, o propósito de Foucault é trazer à tona alguns dispositivos de natureza epistemológica, política e ética de nossa sociedade, do tempo presente. Não se interessa pelo que é, mas pelas condições de possibilidade dos discursos, da verdade. Busca compreender o tempo presente em confrontação com o que não é mais, decorre desse aspecto sua profícua relação com a história.
Notas sobre o livro As palavras e as coisas e as ciências humanas
De acordo com Dosse (2007), As palavras e as coisas, publicado em 1966, vende como pãezinhos, foi um sucesso editorial. Trata-se de um projeto de arqueologia das ciências humanas, com destaque para a história, a psicanálise e a etnologia. Para Foucault (1992), o desenvolvimento das CH convida-nos mais ao desaparecimento do que a uma apoteose do homem. Temos um sistema de pensamento nas ciências humanas, falta o diagnóstico dos modos de ser, de como foi possível se passar do louco à doença mental, dos suplícios à pena e ao regime penitenciário, por exemplo.
Em as Palavras e as coisas o homem-sujeito de sua história desaparece e reaparece no século XIX como uma fenda na ordem das coisas, na ordem científica, em especial na filosofia, na biologia e na economia. O home reaparece como fenda no século XIX em toda sua nudez, na confluência de três formas de saber, como objeto concreto, perceptível, com o surgimento da Filologia, da Economia e da Biologia.
Para Dosse (2007) na esteira de Freud, com o inconsciente de Lévi-Strauss com o estudo das práticas coletivas da sociedade, Foucault busca o inconsciente das ciências humanas que se creem habilitadas por nossas consciências. Ele quer desmistificar o humanismo centrado na ideia de essência ou de natureza humana. Assim, a etnologia e a psicanálise dissolvem o homem ou no mínimo o descentralizam.
É assim que Foucault identifica duas grandes descontinuidades na episteme da cultura ocidental: a da idade clássica, em meados do século 17 e a do século 19 que inaugura a era moderna, com a representação.
No século 16 tem-se a semelhança a partir da qual o mundo enrola-se sobre si mesmo, a natureza é então reduplicada no corpo humano, no movimento dos planetas, no voo dos pássaros. No entanto, há uma defasagem entre as palavras e as coisas. Da mesma forma como Dom Quixote busca encontrar no mundo o que lera nos livros, as palavras erram ao acaso, sem conteúdos, sem semelhança para preenchê-las. Busca-se então encontrar a mathesis, a ordem, a classificação, a taxionomia. Para Dosse (2007), nesse cenário o saber fundamenta-se no mesmo, na semelhança, na repetição, na representação do representado. Os procedimentos de similitude são numerosos nessa episteme: a vizinhança dos lugares, o simples reflexo, a analogia.
Essa mutação será simbolizada por Dom Quixote que tenta ler o mundo para demonstrar a veracidade dos livros. Ela esbarra na não concordância dos signos e do real, no perfeito desacordo em que sua utopia vai se consumar.
A episteme clássica é um sistema articulado de uma máthêsis, de uma taxionomia e de uma analise genética. A gramática geral é o estudo da ordem verbal (representação), a língua fornece o vocabulário, busca o conhecimento enciclopédico. A designação suscita uma representação que nomeia, como mostrar com o dedo. Para Foucault, as palavras não duplicam o pensamento (lição aprendida com Merleau-Ponty), elas o indicam e o transformam em discurso.
No domínio das ciências da vida, a física fornecia o modelo de racionalidade, com as leis do movimento e sua racionalidade mecânica que foi transportada para a biologia, a fisiologia, com a análise dos funcionamentos do organismo, a circulação do sangue de Harvey, a metáfora energética. O estudo dos fósseis e depois dos caracteres hereditários mostram o limite das taxionomias da história natural ao coloca-las no tempo (geológico e histórico das espécies).
Desse triedo epistemológico as ciências humanas são excluídas no sentido ao menos de que não podem ser encontradas em nenhuma das dimensões. Mas, é no interstício desses saberes, mais exatamente no volume definido por suas três dimensões que elas encontram lugar (Foucault, 1992, p. 364).
A episteme da modernidade nasce dessa defasagem que abalou o pensamento ocidental. Assim, a Economia se ocupará do capital e do regime de produção ao invés da riqueza e da pobreza. A história natural cede lugar a Biologia quando o caráter se desloca do ser visível para o estudo da função, havendo um corte no interior do organismo com a Anatomia e com a fisiologia, estabelecendo a causalidade órgão e função de forma quase definitiva. Na linguagem, a palavra salta para fora de suas funções representativas sobretudo na literatura moderna.
Por que a anatomia dos centros corticais da linguagem não podem, de modo algum, ser consideradas como ciências do homem. È que o objeto destas últimas jamais se dá ao modo de ser do funcionamento biológico (nem mesmo sob sua forma singular e como que a de seu prolongamento no homem); ele é antes seu reverso, sua marca no vazio; ele começa lá onde ela para – não a ação ou os efeitos – mas o ser próprio desse funcionamento – lá onde se liberam representações, verdadeiras ou falsas, claras ou obscuras, perfeitamente conscientes ou embrenhadas na profundidade de alguma sonolência, observáveis direta ou indiretamente, oferecidas naquilo que o próprio homem enuncia ou detectáveis somente do exterior; a busca das ligações intracorticais entre os diferentes centros de integração da linguagem 9auditivos, visuais, motores) não é da alçada das ciências humanas; mas estas encontrarão seu espaço de desempenho, desde que se interrogue esse espaço de palavras, essa presença ou esse esquecimento de seu sentido, essa distancia entre o que se quer dizer e a articulação em que essa intenção é investida, coisas de que o sujeito talvez não tenha consciência, mas que não teriam nenhum modo de ser assinalável se esse mesmo sujeito não tivesse representações (Foucault, 1992, p. 369).
Para escapar ao espaço antropológico, com a centralidade do homem, Foucault atribui um status particular à psicanalise, a etnologia e a história em sua versão nietzschiana, uma história descontínua. Foucault busca o comportamento desviante à norma. Como os acontecimentos se tornam possíveis? Para ela, há um filtro no saber instituído que impede de ver para além da norma. O rei Lear e a experiência trágica da loucura é uma alusão ao modo como a nossa sociedade buscar eliminar a loucura. A loucura ganha um espaço mais amplo do que aquele que no Renascimento era ocupado pela morte. De outra parte, a árvore do conhecimento permanece como o mastro da nau dos loucos e está é substituída pelo hospital. A passagem do louco ao doente mental se dá com a institucionalização médica da desrazão.
Que novo modo de ser devem ter recebido esses saberes para que todas essas mudanças fossem possíveis e para que cedessem lugar à positividade das ciências e suas novas empiricidades? O saber muda de forma e de natureza, diz Foucault, retificam-se métodos, racionalizam-se seus conceitos, configuram-se objetos.
O quadro As meninas, de Vélas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbZEmkGDzhHRCBPM8uNpVnCDzwxYDiqA_GSGWMunx6IA_94fHWYFbQLe9hunKYm1kr-UDbfEX7ZU5wPvJlUuKCOmVH8PvDsYFDvl6mpUbfgxXFGlC1bSk_hiYgEg0Sz4BCejQyOwOagfY/s1600/as+meninas.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhbZEmkGDzhHRCBPM8uNpVnCDzwxYDiqA_GSGWMunx6IA_94fHWYFbQLe9hunKYm1kr-UDbfEX7ZU5wPvJlUuKCOmVH8PvDsYFDvl6mpUbfgxXFGlC1bSk_hiYgEg0Sz4BCejQyOwOagfY/s400/as+meninas.jpg" /></a></div>quez é o modelo reduzido da história das CH. Observa-se que a presença real é apenas refletida pelo espelho. A representação passa à ordem do dia e as ciências humanas irão se configurar como sendo àquelas que irão tentar situar o sujeito da representação. O homem, para as ciências do homem “constitui representações graças aos quais ele vive e a partir das quais detém essa estranha capacidade de poder se representar justamente á vida” (p. 369). As palavras e as coisas inscreve-se na ordem estruturalista e Foucault apresenta-se como seu líder potencial reunidos em combate contra a filosofia do sentido, o humanismo, o marxismo, a fenomenologia. O projeto estruturalista apresenta-se como a consciência desses saberes.
Uma coisa é certa, diz Foucault, “o homem não é o mais velho problema nem o mais constante que se tenha colocado ao saber humano... o homem é uma invenção recente. Não foi em torno dele e de seus segredos que, por muito tempo, obscuramente, o saber rondou... O homem é uma invenção cuja recente data a arqueologia de nosso pensamento mostra facilmente. E talvez o fim próximo. Se talvez estas disposições viesse a desaparecer tal como apareceram se, por algum acontecimento de que podemos quanto muito pressentir a possibilidade, mas de que no momento não conhecemos ainda nem a forma nem a promessa, se desvanecessem, como aconteceu na curva do século XVIII, com o solo do pensamento clássico – então se pode apostar que o homem se desvaneceria, como, na orla do mar, um rosto de areia” (Foucault, 1992, p. 404).
Conforme Dosse (2007) é manifestamente a morte do homem que fascina a época e numerosos são aqueles que se comprimem atrás do cortejo fúnebre. As negações sucessivas do sujeito na linguística saussuriana (apresentada pro Merleau-Ponty), na antropologia estrutural e na psicanalise lacaniana acabam de encontrar em Foucault aquele que reinstala no próprio âmago da história cultural ocidental essa figura como ausência, como falta em torno da qual se desdobram as epistemes, esse é um dos efeitos Foucault. A repercussão é a mesa do evento fulgurante que faz surgir um olhar radicalmente novo sobre o passado da cultura ocidental e uma concepção mais lucida de seu presente.
Referências
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1992
DOSSE, F. História do estruturalismo, vol1. São Paulo: EDUSC, 2007.
MUCHAIL, S. Anotações do curso no Maria Antônia, São Paulo, 2009.
Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-79682657029342475142013-12-07T08:03:00.001-08:002013-12-07T08:11:20.678-08:00CorporeidadesCORPOREIDADES
(Trecho da aula “Corporeidades” – aspectos sociofilosóficos da EF /Sedis/ UFRN, 2013).
Um dos aspectos relevantes dessa discussão sobre corporeidade, cultura e subjetividade encontra-se no desenvolvimento científico contemporâneo, especialmente em áreas como a genética e a manipulação do DNA e a robótica. Vamos enfatizar aqui a robótica, por sua relação direta com a noção de corpo máquina, e as questões de nossa humanidade.
Para Lima (2010), a atual aceleração tecnológica em campos tão diversos como a robótica, a biônica, a inteligência artificial e a biotecnologia tem propiciado cenários inusitados no que concerne às possibilidades de transformação tecnológica do corpo. Segundo o referido autor, são muitas as produções discursivas do campo acadêmico e da mídia, que apontam para rupturas na condição atual do corpo. O autor discute essa relação, apresentando o evento que ficou conhecido como o caso Clark. Trata-se do dentista americano que recebeu um coração artificial e viveu com ele por 112 dias. “O Abiocor é um parelho feito de plástico e titânio, sendo o primeiro coração artificial que fica inteiramente dentro do corpo de um paciente” (LIMA, 2010, p. 183). O coração artificial é um exemplo das intervenções científicas e tecnológicas sobre o corpo.
De fato, essas questões atravessam nosso cotidiano, mas não são inteiramente novas. Os fabricantes de autômatos, desde o século XVII, são confrontados com as dificuldades levantadas por Descartes um século antes quanto ao dualismo radical das substâncias corpo e alma, como vimos na primeira parte desta aula. Como um mecanismo poderia produzir uma infinidade de comportamentos diferentes a partir de um numero finito de elementos e como esses comportamentos poderiam ser adaptados a diferentes circunstâncias? De acordo com Chazal (2013), a solução se constrói progressivamente sob a forma de uma separação física entre uma memória contendo o programa e um aparelho que garante a execução. Nesse contexto, da realidade dos autômatos, passando pelos cartões perfurados até as máquinas IBM, novas noções são introduzidas na concepção mecanicista do cálculo e da reflexão em geral, A cibernética, a inteligência artificial e a robótica fornecem modelos racionais do vivo e da reflexão, reenviando uma imagem cada vez mais precisa do nosso próprio funcionamento.
O homem máquina compreende um mito entre ciência e técnica. Hoje, a biologia nos esclarece sobre o funcionamento íntimo do corpo e do espírito, desvelando mecanismos delicados e completos. Os corpos vivos apresentam uma estrutura capaz de conservar, de agir sobre o mundo, de se reproduzir, de absorver energia e informação. As máquinas artificiais que nós construímos hoje começam a apresentar de maneira cada vez mais precisa, quase literal, tais características.
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgH4i7vh3kqs5RvqPrrGu-fYtDNRrKQBVF_bzXGM2Nbw5DH-RgQnZ7CAUhyphenhyphenLk9YAyB6WmQc_7w_oAv0fPboO3cT7y_5XWClCyNi_ldF6o1DVO9FXuVwb-EXgQCIge8GIcpYyWfDxnybkRU/s1600/automato.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgH4i7vh3kqs5RvqPrrGu-fYtDNRrKQBVF_bzXGM2Nbw5DH-RgQnZ7CAUhyphenhyphenLk9YAyB6WmQc_7w_oAv0fPboO3cT7y_5XWClCyNi_ldF6o1DVO9FXuVwb-EXgQCIge8GIcpYyWfDxnybkRU/s320/automato.jpg" /></a></div>
A imaginação artística alimenta e se alimenta dessas novas concepções. Nesse contexto, construir bonecos autômatos é uma forma de escapar ao tempo, ao envelhecimento, à morte, através de um controle técnico das funções. Esses autômatos, como vemos na Figura 3, são uma espécie de espelho através do qual poderíamos perceber alguns reflexos do nosso destino como humanos e a nossa corporeidade.
As máquinas se assemelham cada vez mais a nós. No entanto, nossos adversários não deixam de sublinhar com toda força que as máquinas são incapazes de sentir a beleza, de obedecer a leis morais, de respeitar normas sociais a não ser aquelas daqueles que as controlam. Trata-se de um argumento de fato, pois hoje não existe maquina consciente, moral, sensível ao belo, capaz de empatia. Se nossas máquinas atuais não são homens, – é um fato – isso não prova a recíproca, ou seja, que os homens não são máquinas (CHAZAL, 2013, p. 13).
Os autômatos, pela atração e divertimento que proporcionam, mas também pela maneira pela qual simulam a vida, constituíram formas de dramatização das questões filosóficas, enfatizando o caráter mecânico das funções vitais. Eles mostram também toda ambigüidade do status de ficção nas ciências. Os robôs são os herdeiros dos autômatos dos séculos XVIII e XIX.
O interesse pela mecânica integra o espaço das artes no começo do século XX. No começo dos anos 1970, o artista australiano Stelarc procurou fazer a hibridação do seu corpo com os objetos tecnológicos, como acontecimento espetacular (Figura 4). Dentre suas performances, destacam-se as interfaces com sua Terceira Mão, um exoesqueleto e uma escultura do estômago, entre outras. As performances são coreografias compostas pela interação do controle fisiológico com a modulação eletrônica e realizam-se por meio de processos desse corpo amplificado, que incluem ondas do cérebro (ECG), músculos (EMG), controle da pulsação e do fluxo sanguíneo (Doppler) e de outros condutores e sensores que monitoram o movimento dos membros e indicam a postura do corpo (DOMINGUES, 1997).
O artista busca uma desnaturação do corpo, esvaziar o corpo de toda vontade e ambição de controlar os dispositivos técnicos. Deslocando a experiência do seu corpo, ele se inscreve em uma estética radical que questiona a humanidade e a autonomia. Ele constrói não apenas um dispositivo cenográfico, mas um meio de suscitar a fascinação dos espectadores, e a maneira pela qual o publico é convidado a se engajar na imagem que lhe é oferecida. Assim, a ficção forma um espaço de experimentação, um meio de estudar as relações entre humanos e máquinas.
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgym3ovssn1c_A8Q_9xUSUsBQcvYGSuPwSsEy__nZoBfWIeb5ezsUzNdu-ac_W_3Nnf7JoWDNsShMpjWFjLVGbE3rOqC_LhKdM7RSKP34SWw0oGxIAC_2nMl-URgoprKkZOujVBUfwZRNg/s1600/stelarc.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgym3ovssn1c_A8Q_9xUSUsBQcvYGSuPwSsEy__nZoBfWIeb5ezsUzNdu-ac_W_3Nnf7JoWDNsShMpjWFjLVGbE3rOqC_LhKdM7RSKP34SWw0oGxIAC_2nMl-URgoprKkZOujVBUfwZRNg/s320/stelarc.jpg" /></a></div>
Outra experiência nesse campo é realizada pelo engenheiro e artista MacGoran, que criou o projeto Heart Robot, que se concentra na interação humano-máquina (Figura 5). O robô Heart possui uma interface rudimentar, capaz de poucas ações, mas que engendra grandes resultados. O robô é equipado com alguns detectores que ajudam a determinar sua posição e lhe assinalam a presença de um objeto em sua mão. Ele pisca os olhos e simula a respiração. Uma pequena luz vermelha pisca em seu tronco, mais ou menos rapidamente, seguindo o estado interno que se trata de representar, conforme o robô é contraído (pulsação e respiração rápidas) ou descontraído (pulsação e respiração lentas). Essa alternância do ritmo, a maneira pela qual ela é desencadeada quando das interações e pela qual ela encontra seu lugar no interior de um grupo de ações reflexas simulam as mudanças do estado interno da máquina e participam de um cenário de base que visa a criar a ilusão de uma reação e, por conseqüência, fazer emergir sentimentos de empatia no utilizador humano (BECKER, 2012).
De acordo com Becker (2012), aos olhos da maioria dos espectadores que se aproximaram dele, Heart tem o ar de uma criatura frágil, doente, estranha, que contrasta com a imagem ameaçadora característica dos humanóides. Ele não pode se deslocar sozinho, sendo fortemente associado ao seu operador humano.
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcmE6eAJ_9VHJ132ZiEL2cPo0tqZJnjNzQFYcPGi_VMhNnBGFkkJUN12GXDHc0_ygImKn2GPuPoQeyyqT2oVA7dMHsFFyTauRSYW026UFoBm-MSoxaQAVbE9jbkkMX_qrOGTElDSz6V-o/s1600/heart.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcmE6eAJ_9VHJ132ZiEL2cPo0tqZJnjNzQFYcPGi_VMhNnBGFkkJUN12GXDHc0_ygImKn2GPuPoQeyyqT2oVA7dMHsFFyTauRSYW026UFoBm-MSoxaQAVbE9jbkkMX_qrOGTElDSz6V-o/s320/heart.jpg" /></a></div>
Nossa sociedade inventou e continua a reinventar o corpo como objeto de inúmeras intervenções sociais, o que nos leva a interrogar: que possibilidades hoje nos são abertas e que experiências nos são possíveis a partir de nossa corporeidade? As biotecnologias alteram nossa relação com o corpo e com as funções somáticas como a percepção, os movimentos de deslocamento do corpo e as alterações na visibilidade do corpo, seja por reconstituições da pele ou dos tecidos, seja pela criação de modelos digitais, entre outras possibilidades.
De acordo com Nóbrega (2013), pelo menos desde a Renascença o corpo do homem vem sendo progressivamente desvelado. As modificações trazidas pela visibilidade pública do conhecimento do interior do corpo, permitidas pela anatomia, articulam relações com a representação mecânica do corpo, sobretudo pelo olhar objetivo do funcionamento do corpo humano e de suas partes. O discurso do corpo-máquina, formulado por Descartes no século XVII, instituiu padrões de movimento marcados pela distinção dos processos corporais e mentais, eficiência e utilidade, que ainda hoje influenciam as práticas corporais. Ao duvidar sobre a existência da materialidade corpórea, Descartes instaura um campo de investigação sobre o corpo em diversas áreas, como, por exemplo, na medicina.
Essas interações com a biotecnologia mobilizam e questionam as representações do corpo em vários domínios. Ao refletir sobre as relações entre corpo e ciência, Rouanet (2003) diz que, contra a ditadura do gene, podemos agir politicamente para que não haja nenhum homem-máquina ou para que ele seja tão amável quanto o homem de lata do Mágico de Oz, que acaba ganhando um coração ao fim de sua jornada. O homem é autor de seu destino, suficientemente corajoso para rejeitar qualquer apelo a um pai transcendental, suficientemente humano para não transformar a pedagogia em arte de amestrar e suficientemente democrático para não substituir a política pela biologia.
Referências
BECKER, J. Le corps humain et sés doublés: sur les usages de la fiction dans les arts et la robotique. Revue Gradhiva, Paris, n.15, 2012.
CHAZAL, Gérard. Philosophie de la machine : néo-mécanisme et post-humaine. Dijon: Éditions Universitaires de Dijon, 2013.
DESCARTES, R. Tratado do homem. In: MARQUES, J. Descartes e sua concepção de homem. São Paulo: Loyola, 1993.
DOMINGUES, D. (Org.). A arte no século XXI: a humanização das tecnologias. São Paulo: Unesp, 1997.
LIMA, H. Do corpo-máquina ao corpo-informação: o pós-humano como horizonte biotecnológico. Curitiba: Honoris Causa, 2010.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
NÓBREGA, T. P. da. O corpo no cenário das biotecnologias. Disponível em <http://www.cafefilosofico.ufrn.br/texto%20petrucia.htm>. Acesso em: 23 jul. 2013.
ROUANET, S. O homem-máquina hoje. In: NOVAES, A. (Org.). O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-2715324796506200822013-10-23T04:52:00.001-07:002016-04-21T02:44:02.988-07:00Corpo e estética da existência na obra coreográfica de Maguy Marin: uma leitura de May B<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Para tratar o tema, escolhi uma obra da coreógrafa francesa
Maguy Marin: May B. Obra criada em 1981 que continua a fazer parte do
repertorio e é dançada até hoje pela Companhia, com sede em Toulouse, cidade
onde a coreógrafa também nasceu, em 1951, filha de republicanos espanhóis que
se refugiaram na França durante a segunda guerra mundial (franquismo).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A coreógrafa francesa fala com um tipo de urgência e uma
simplicidade sem desvio da onde vem a matéria complexa de suas peças. A vida, a
vida apesar de tudo, apesar das forças de destruição que podem devastar
existências ou ameaçam de nos tornar inumanos. Suas peças questionam sem cessar
o que nós somos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="http://1.bp.blogspot.com/-TFhvkY2Td-0/UG-qvrcr9ZI/AAAAAAAACF0/Aa8_m0TkTQI/s1600/may_B.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img border="0" src="http://1.bp.blogspot.com/-TFhvkY2Td-0/UG-qvrcr9ZI/AAAAAAAACF0/Aa8_m0TkTQI/s1600/may_B.jpg" height="213" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
May B é uma das primeiras peças criadas por Maguy Marin. Trágica
e divertida, inspira-se no universo de Samuel Beckett. May B é uma referencia ao nome da mãe de
Samuel Beckett e é também o nome da personagem da peça <i>Pas</i> (Passo). Movimento que descreve o vai e vem das personagens Mãe
e filha na encenação pensada por Beckett.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Usando nomes espelhos: May e Amy, em um vai e vem sem
cessar, May torna-se a mãe de sua própria mãe. O trajeto de May, é sempre o
mesmo como descreve Beckett na peça, passado e futuro: Vai e vem, partindo com
o pé direito, direito, esquerdo. Do pé esquerdo para o direito, essa mulher sem
uma idade precisa – 40, 89, 90 anos, encarna todos os tempos vividos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- Mãe, Mãe<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- Sim, May<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- Você dormia?<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- De um sono profundo e eu te escutei em meu sono profundo. Não há sono
profundo que me impeça de te escutar.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- Que idade eu tenho, pergunta May a sua mãe. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- E eu então? Questiona-se a mãe<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- 90, diz May<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- Tudo isso, surpreende-se a mãe?<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- 89, 90<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- Eu tive você tarde em minha vida. Perdoe-me, perdoe-me ainda<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- Que idade eu tenho, insiste a filha<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>- Uns 40. - Eu tinha medo May. - isso jamais acaba.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Esse é o tom dramático da coreografia que retoma a relação
de Maguy com sua mãe, com sua filha, com a de todos nós e que configura sua
dança. <b>Em May B</b>, passo a passo, os dez humanos de argila martelam o chão e
fazem corpo para bater em nossos espíritos, como diz a coreografa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um choque, cujas
ondas nos atingem sempre com toda a força. Não acaba jamais. <b><i>Fini.
C’est fini. Ça va finir. Ça va peut-être
finir. As primeiras palavras da peça Fim de Partida, </i></b> é apenas o começo das deambulações, das
alterações de rota, das metamorfoses, da repetição dos mesmos gestos de um
corpo que guarda em torno de si o fio das horas, a ordem dos anos e dos mundos
(como o corpo de Proust em busca do tempo perdido). <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O tempo supõe uma visão sobre o tempo. O tempo é uma fuga
musical, um êxtase que se recomeça ontem, hoje, amanhã. A noção de tempo <st1:personname productid="em Maguy Marin" w:st="on">em Maguy Marin</st1:personname> está
ligada a ideia de modificação, mais do que a ordem cronológica. Com mais de trinta anos May B é uma
tragicomédia de nossas vidas minúsculas. Obstinadamente, sempre a mesma, sempre
outra nesse movimento de ir e vir, sete, oito, nove e hop! Essa “pálida desordem de trapos cinza branco”
não acaba jamais de passar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O grupo imprime às deambulações uma coesão que, para ser
composta, está destinada ela também à dissolução. Muitos corpos prestes a se
desfazer, para formar outro, desmesurado, contorcendo todas as histórias que o preenchem
e se entrechocam nele em sobressaltos e gestos por vezes grotescos, por vezes
delicados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Em May B, no meio de
um bafafá de palavras deslocadas</b>, comprimidas, incompreensíveis, alguns
vestígios de linguagem intactos, uma frase, uma queixa, uma reivindicação, algo
que não poderia ser dito. Sou um ser sonoro, mas a minha vibração, essa é de
dentro que a ouço; como disse Malraux, ouço-me com minha garganta (...). Minha
voz está ligada à massa de minha vida como nenhuma outra voz (Merleau-Ponty,
1992, p. 140).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Do ponto de vista da dinâmica coreográfica há contrastes
marcantes que produzem uma tensão no espectador. <b>As sequências carnavalescas de May B</b>, articulam essa tensão sempre
reconduzida entre uma cadencia em alguns momentos quase militar e de
extravagantes desordens em que exploram os espaços corporais, o sexo, a
vergonha, a guerra, o silencio, a dor
que atravessa o corpo das personagens e também o nosso corpo de espectadores
das cenas.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Coordenar os gestos, as palavras, as memórias, religar o
humano, reabrir a possibilidade de futuro, é a força de resistência de May B,
pois o grupo, mesmo rasgado pelas batalhas, não perde a coesão profunda, as
vezes cega, assustadora também. A força do coro, de cada um entre nós que
estamos lá, de todos aqueles que em nossas vidas nós cruzamos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Tudo isso com uma boa dose de humor que permite o
deslocamento oblíquo de nossa percepção das coisas e libera o riso do peso das
atribuições que por vezes entravam a reflexão, o pensamento, o sentimento. O
riso permite ao espectador tornar-se sonoro, participar da cena, engajar-se no
movimento e nas histórias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Na segunda parte da coreografia, podemos observar muitos
outros personagens <span class="msoIns"><ins cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:59"> e cenas </ins></span>de
Beckett: Hamm, o cego na cadeira de rodas de Fim de partida e Clov, que faz
soar o despertador; Lucky amarrado a
Pozzo carrega uma pesada mala, como um animal adestrado e seu domador. Há
referências também a Vladimir e Estragon, os dois vagabundos de esperando Godot
e as personagens enterradas na areia de Dias Felizes ou nas latas de lixo de
Fim de partida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>A cena de aniversário</b>
em que eles devoram com voracidade o bolo é também uma referencia ao tempo de
nossa existência individual, ao passar dos anos, à memória, ao esquecimento, á
repetição. Referência a esse retorno dos
mesmos gestos, esse ritornelo, esse carrossel teimoso onde repassam sem cessar
as mesmas histórias ordinárias, o tecido constantemente remendado de nossos
usos familiares do corpo, como assoprar as velas do bolo de aniversário. Que
memórias, sentimentos e metamorfoses se condensam nesse gesto? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<b>Na cena das malas-
segundo e último ato da coreografia, </b> o vai e vem desse grupo de errantes obstinados
continua e se transforma, ao mesmo tempo compactos e porosos, divididos pelas
pequenas histórias, pelos conflitos que são a textura de nossas existências,
amadurecidos também pelas forças coletivas invisíveis que se expressam nessas
pequenas e grandes valises da viagem. É
como se nesses objetos estivessem guardadas a vida de cada um, uma enormidade
em pequenas coisas, gestos imemoriais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Esses objetos são também como o prolongamento do corpo e como
o signo dos deslocamentos das populações não se sabe bem para onde, deslocamentos
de nossa existência. Existirmos a que será que se destina como diria Caetano Veloso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Refletindo suas histórias, as dez personagens de May B nos deixam
inquietos, nos fazem rir, nos tocam e nos questionam de muitas maneiras. Há uma
estranha familiaridade que nos envolve também: o espectro intempestivo de um
abandono enterrado e intimamente conhecido, que faz brilhar nesse instante sua
claridade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Esses pequenos acontecimentos que pouco a pouco, como gotas
de chuva, ravinam nosso corpo, nossa maneira de pensar. Potência de
singularidades aleatórias, anônimas, nos fluxos monstruosos da história humana,
tal como Cronos devorando seus filhos no quadro de Goya. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Estranhas digestões, inquietantes regurgitações,
metamorfoses, amanhãs desconhecidos, turbilhões anacrônicos (obsoletos). Nas sequências de May B tudo se
passa como se o grupo representasse alguma coisas desse metabolismo fantástico,
que é também como uma imagem desdobrada do tempo ele mesmo, em seus possíveis
luminosos como em suas sombras e mortais impasses.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Os personagens de May B são como as máscaras do teatro
antigo, evocadas por Nietzsche (O drama musical grego), uma enormidade mais que
humana – que contém nelas nossas minúsculas vidas semelhantes e diferentes. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Há uma percepção aguda do fato que os destinos individuais
são em parte feitos de uma matéria que é aquela do coletivo – incluindo o corpo
próprio, corpo que chamo de meu e que experimenta sozinho as sensações, mas que
não é menos saturado, nos menores gestos, de formas de vida comuns. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não vejo<span class="msoIns"><ins cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:53"> meus olhos, nem meu dorso e essa lacuna </ins></span><span class="msoIns"><ins cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:54">é
preenchida por um visível do qual não somos titulares. “Movimento, tato, visão aplicam-se
a partir de então ao outro (...) </ins></span><span class="msoIns"><ins cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:55">e, no paciente e silencioso
trabalh do desejo começa o paradoxo da expressão”, como na dança, o corpo em toda a sua extensão enlaça outro
corpo, o corpo do outro, o corpo do mundo, fazendo-se mundo e fazendo-o carne.</ins></span><span class="msoDel"><del cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:53"> </del></span>(Merleau-Ponty, 1992)<span class="msoIns"><ins cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:52"><o:p></o:p></ins></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
May B fala dos nossos corpos, precários, estranhos,
preenchidos de seres desconhecidos, de fantasmas de todo gênero, fantasmas da
infância, dos animais, da poeira <span class="msoIns"><ins cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:57">do tempo e dos lugares </ins></span><span class="msoDel"><del cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:57">mesmo</del></span>.
Nossos corpos de todos os lados afetados, matéria sensível a todo tipo de
alteração, superfícies de inscrição dos acontecimentos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Corpos materializando o tempo como máscaras vivas onde se
condensam e se superpõe a cada instante todas as transmutações. Corpos surpreendentes
e reveladores dessa fantástica química do tempo. Ao corpo e seu metabolismo
liga-se a multiplicidade do mundo, mundo que está em torno do corpo, dentro e
fora, <span class="msoIns"><ins cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:58">fora
e dentro </ins></span>como quiasma<span class="msoIns"><ins cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:57"> do corpo e do mundo.</ins></span><span class="msoDel"><del cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:57">.</del></span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A coreografia termina com o movimento do ultimo bailarino
presente no palco, suspenso em uma solidão sem remédio. Face ligeiramente
dirigida a nós, ouvimos as palavras
ditas no inicio da peça: <i>Fini, c’est
fini, ça va finir, ça va peut-etre finir</i>. A espera pelo fim, a esperança
que se encontra em Godot e em outros personagens de Beckett.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Um homem está lá, também fixando os olhos no céu <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Torcendo suas mãos, de dor sobrecarregado<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
O pavor me toma vendo sua face:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
A lua me faz ver meus próprios traços<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Oh tu meu duplo, oh! Meu pálido companheiro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
(<i>Lied, Le Double</i>, Canção o Duplo, extrato do <i>cycle shubertien La mort du
cygne</i>)<s><o:p></o:p></s></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Corpos estesiológicos, destruídos e repletos de energia, May
B é uma maneira de fazer o corpo dançar, corpos ao mesmo tempo carne e terra,
imensidade geográfica, corpos carregados de séculos, fluxo da humanidade, um lugar de passagem e
de partilha da experiência. <span class="msoIns"><ins cite="mailto:Petrucia" datetime="2013-10-20T13:58"> Corpo
expressivo, obra de arte inacabada. </ins></span>Corpo pra que te quero!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 0cm;">
MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível.
São Paulo: Perspectiva, 1992.<o:p></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8GXvDTDW4DqR3sk1mOjdF70i6D9QY6jE7XCw0aCc6tNplUEXzK3d_ehxVFC0RXbtB1xwOIATwKGBBHc30RLcDDQGjxxshjJyaF8SBtvzQ35Lh7RxOm1VLE_4-ogoBxZTYcAUYR0j8fCM/s1600/maybe-maguy-marin-e1354139978322.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj8GXvDTDW4DqR3sk1mOjdF70i6D9QY6jE7XCw0aCc6tNplUEXzK3d_ehxVFC0RXbtB1xwOIATwKGBBHc30RLcDDQGjxxshjJyaF8SBtvzQ35Lh7RxOm1VLE_4-ogoBxZTYcAUYR0j8fCM/s320/maybe-maguy-marin-e1354139978322.jpg" /></a></div>Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-38269688091530204342013-04-28T01:37:00.000-07:002013-04-28T01:37:18.563-07:00FILOSOFIA DA DANÇA PAUL VALERY<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Extratos da versão para o português do texto <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Philosophie de la danse</b> (Filosofia da
dança), escrito por Paul Valéry, em 1936. Versão livre por Petrucia Nóbrega
para o Dia Mundial da Dança.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">A dança não se limita a ser um
exercício, um divertimento, uma arte ornamental e um jogo de sociedade algumas
vezes, ele é coisa séria e em alguns aspectos, venerável. Toda época que
compreendeu o corpo humano, ou que experimentou, pelo menos, o sentimento do
mistério desta organização, de suas fontes, de seus limites, das combinações de
energia e de sensibilidade que ele contém, cultivou, venerou a dança.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">A dança é uma arte deduzida da vida
mesma, pois ela é a ação do conjunto do corpo humano; mas ação transposta no
mundo, em uma espécie de espaço-tempo, que não é mais, com efeito, a mesma que
aquela da vida prática.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">O homem percebeu que possuía mais
vigor, mais flexibilidade, mais possibilidades articulares e musculares do que
havia necessidade para satisfazer as necessidades de sua existência, ele
descobriu que alguns de seus movimentos são procurados pela sua freqüência, sua
sucessão ou sua amplitude, um prazer que ia até uma espécie de embriaguez, e
tão intenso as vezes que um esgotamento total de suas forças, um tipo de
êxtase, de esgotamento podia somente interromper seu delírio, sua despesa
motriz exasperada.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Nós temos muitas potências
perceptivas e que não as utilizamos e o mesmo ocorre no que concerne aos nossos
poderes de ação. Nós podemos traçar um circulo, jogar com os músculos de nossa
face, marchar em cadencia, tudo isso que permite criar a geometria, a comédia e
a arte militar, é a ação que é inútil em si mesma, para o funcionamento vital.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Assim, os meios de relação da vida,
nossos sentidos, nossos membros articulados, as imagens e os signos que
comandam nossas ações e a distribuição de nossas energias que coordenam os
movimentos de nossa marionete, poderiam ser empregados somente a serviço de
nossas necessidades fisiológicas e se restringir a atacar o meio onde vivemos
ou a nos defender contra ele, de maneira que sua única tarefa consistia<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>na conservação de nossa existência.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Poderíamos levar uma vida
estritamente ocupada com as necessidades vitais, insensíveis ao que não teria
um papel nos ciclos de transformação que compõem nosso funcionamento orgânico.
Os animais parecem se comportam dessa maneira, mas mesmo os animais brincam, as
vezes se divertem. Os macacos fazem pantomimas, os cachorros se perseguem, mas
isso seria já a dança?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Todas essas ações e divertimentos
animais são úteis para consumir uma energia superabundante ou para manter em
estado de flexibilidade ou vigor os órgãos destinados a preservar a vida. Mas e
o homem?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">O homem é esse animal singular que
se observa viver, que se dá um valor e que coloca todo esse valor que lhe
agrada para se dar na importância que ele se apega as percepções inúteis e aos
atos sem conseqüência física vital.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Pascal colocou toda essa dignidade
na reflexão, mas essa reflexão que nos edifica – a nossos próprios olhos –
acima de nossa condição sensível é exatamente o pensamento que não serve a
nada. Observe que não é útil ao nosso organismo nossas meditações sobre a
origem da vida, sobre a morte. Mas nossa curiosidade é mais ávida que
necessária, nossa atividade mais excitável que nenhum objetivo vital exige são
desenvolvidas com a invenção das artes, das ciências, dos problemas universais
e com a produção de objetos, de formas, de ações as quais poderíamos passar sem
elas. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">A arte assim como a ciência faz algo
útil a partir do inútil. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Um filósofo pode olhar uma ação de
qualquer dançarina e observando o que lhe dá prazer, ele pode também tentar
tirar um prazer segundo de exprimir suas impressões em sua linguagem.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">De inicio ele pode recolher algumas
belas imagens. Os filósofos são apetitosos por imagens (...). Eles criaram
algumas celebres: um, uma caverna; outro, um rio sinistro que não podemos
jamais ultrapassar; outro, um Aquiles sufocado após uma corrida com uma
tartaruga inacessível. Os espelhos paralelos, os corredores que se passam uma
flama, e até Nietzsche com sua águia, sua serpente, seu dançarino na corda
(funâmbulo), todo um material, toda uma figuração de ideias com as quais
poderíamos fazer um forte e belo ballet metafísico onde se comporia sobre acena
tantos símbolos famosos. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Meu filosofo não se contenta com
isso. Que fazer diante da Dança e da dançarina para se dar a ilusão de saber um
pouco mais que ela mesma sobre o que ela sabe melhor e que não sabemos? É
necessário compensar essas ignorância técnica e dissimular seu embaraço por
alguma engenhosidade de interpretação universal desta arte, a qual ele constata
os prestígios.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Sua entrada na dança é bem
conhecida. Ele esboça o passo da interrogação. Ele se coloca a pensar sem
prever um fim e em uma interrogação ilimitada, no infinito da forma
interrogativa. É seu ofício. Ele joga seu jogo. Ele começa pelo começo
ordinário e demanda: O que é então a dança? </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Ele se embaraça e se paralisa bem
como os espíritos- o que faz pensar a um famoso embaraço de Santo Agostinho que
confessa que um dia foi interpelado com a questão sobre o que é Tempo. Ele
confessa saber bem, mas quando interrogado, seu espírito se perdia em encruzilhadas. Ele
parava e se isolava de qualquer emprego imediato e de alguma expressão
partícula. Observação profunda...</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Meu filosofo encontra-se hesitante
sobre o que separa uma questão de uma resposta. O que é o tempo? O que é a
dança?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Mas, a dança é antes de tudo uma
forma do tempo. Associando as duas questões a tarefa parece menos preocupante.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Ele olha então a dançarina com seus
olhos extraordinários, extra lúcidos que transformam tudo o que vêem em proezas
do espírito abstrato. Ele decifra o espetáculo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">A dançarina se envolve em uma
duração que ela engendra uma duração feita de energia. Ela é instável,
improvável.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>E a força de negar pro seu
esforço o estado ordinário das coisas, ela cria a ideia de um outro estado,
excepcional. Um estado que é ação, uma permanência que se faz pelo trabalho,
comparável a vibrante parada de um inseto ou de um beija-flor diante de um
cálice de flor que ele explora e que permanece carregado de potencia motriz,
apenas um pouco imóvel, e sustentado pela batida incrivelmente rápido de suas
asas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">O movimento de dança é, pois repleto
de uma energia de qualidade superior. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">“No estado dançante, todas as
sensações do corpo, ao mesmo tempo, motora e movida são encadeadas e em certa
ordem – que elas se demandam e se respondem umas as outras, como se
repercutissem, se refletissem sobre a parede invisível da esfera das forças de
um ser vivo.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Com essas questões o filosofo tenta
aprofundar o mistério de um corpo que, imediatamente, como por efeito de um
choque interior, entra em uma espécie de vida ao mesmo tempo estranhamente
instável e estranhamente regulada; e ao mesmo tempo, estranhamente espontânea,
estranhamente sabia e seguramente elaborada.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Esse corpo parece se destacar de
seus equilíbrios ordinários. Ele joga com fineza com seu peso, do qual ele se
esquiva a cada instante. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Em geral, ele se dá um regime
periódico mais ou menos simples, ele é dotado de uma elasticidade superior que
recupera a impulsão de cada movimento. Pensamos ao peão que se sustenta sobre
sua ponta e que reage tão vivamente ao menor choque. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Esse corpo que dança parece ignorar
o seu entorno. Parece que ele se consagra a si mesmo e a um outro objeto, um
objeto capital, do qual ele se destaca ou se liberta, para o qual ele volta,
mas somente para retomar o que ele foge ainda... é a terra, o solo, o lugar
sólido, o plano sobre o qual pisoteamos a vida ordinária e sobre o qual procede
a marcha, essa prosa do movimento humano.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Sim, esse corpo dançante parece
ignorar o resto, nada saber de tudo o que lhe cerca. Diríamos que ele se escuta
e escuta apenas a si mesmo; diríamos que ele nada vê e que seus olhos são como
jóias, dessas bijuterias desconhecidas das quais fala Baudelaire, de luzes que
não lhe servem a nada.A dançarina está em um outro mundo, que não é mais aquele
que se pende de nossos olhares, mas aquele que ela tece de seus passos e
constrói de seus gestos. Mas, neste mundo, não há ponto de vista exterior aos
atos; não há objeto a capturar (compreender), a reunir, a repelir ou a fugir,
um objeto que termina exatamente uma ação e dá aos movimentos, de inicio, uma
direção e uma coordenação exteriores, e em seguida, uma conclusão nítida e
certa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">A dança aparece ao filosofo como um
“sonambulismo artificial, um grupo de sensações que permanecem em si, nas quais
certos temas musculares se sucedem conforme uma sucessão que lhe institui seu
próprio tempo, sua duração e completa com uma voluptuosidade e uma dileção cada
vez mais intelectual.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Essa vida interior da dança, em
termos de psicologia, não daria um sentido novo lá onde a fisiologia domina? </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Vida interior, mas construída de
sensações de duração e de sensações de energia que se respondem e formam como
um confinamento de ressonâncias. Essa ressonância como qualquer outra, se
comunica: uma parte do nosso prazer de espectador é o de se sentir tomado pelos
ritmos e virtualmente, dançar nós mesmos. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">A dança ou o corpo dançante é visto
como uma poesia geral da ação dos seres vivos, cujas metamorfoses ultrapassam a
vida ordinária. O que é uma metáfora se não esse tipo de pirueta da ideia da
qual aproximamos diversas imagens ou diversos nomes? E o que são todas essas
figuras das quais usamos, todos esses meios, como as rimas, as inversões, as
antíteses, que nos destacamos do mundo prático para nos formar, nós também,
nosso universo particular, lugar privilegiado da dança espiritual? </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 11.0pt;">Paul Valèry refere-se a uma
dançarina (Madame Argentina) que viu dançar. Ela tomou uma dança popular espanhola
e trabalhou o estilo. O poeta admirou esse trabalho, pois se vê como alguém que
não opõe a inteligência e a sensibilidade, a consciência refletida e os dados
imediatos. Uma boa inspiração para pensar o corpo e a dança!</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRoggbo7bw3J905vWugzgvmGthyphenhyphenRb_OypmzPJ-hZXDGRn6-JDOubNRkfTidw-bCziNnzeMdAGyGk4xYmvrQTR9A9HtI59SOuHsd417SihqE0BZQXJtXbcUQA5I51T8aGdi07JYzDkYYCY/s1600/ISADORA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgRoggbo7bw3J905vWugzgvmGthyphenhyphenRb_OypmzPJ-hZXDGRn6-JDOubNRkfTidw-bCziNnzeMdAGyGk4xYmvrQTR9A9HtI59SOuHsd417SihqE0BZQXJtXbcUQA5I51T8aGdi07JYzDkYYCY/s320/ISADORA.jpg" width="252" /></a></div>
Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-71772860621556650572013-02-28T05:20:00.000-08:002013-02-28T05:20:22.774-08:00A ontologia do ser selvagem em Merleau-Ponty e a paixão segundo Clarice Lispector: encontros entre filosofia e literatura <!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
No texto sobre a fenomenologia da linguagem, Merleau-Ponty (1960) afirma
que não é suficiente repetir Husserl e sim retomar, mais do que suas ideias, o
movimento de sua reflexão; haja vista não ser possível dizer melhor o que já
foi dito pelo filósofo. Mas, há também no pensamento do filósofo, o impensado,
uma sombra, um horizonte pelo qual podemos nos mover e formular nossas próprias
questões. Com essa atitude, buscamos fazer aproximações entre a ontologia, a
literatura e a educação. Para tanto, imaginamos um encontro entre Merleau-Ponty
e a escritora Clarice Lispector, quem sabe em um café de Paris, provavelmente em <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Saint
Germain</i><i style="mso-bidi-font-style: normal;"> des prés</i>,
ali perto da Sorbonne, próximo ao <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Collège
de France</i>, quem sabe no <i>café de Flore</i>, reduto de intelectuais e artistas
que nos anos do pós-guerra desejaram mudar os rumos da filosofia francesa.
Lugar que Maurice Merleau-Ponty conhecia muito bem e que Clarice seguramente
freqüentou em uma de suas viagens a Europa, acompanhando o marido embaixador. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirv1TicNq6fO1ziniyKrpjJNUlfKBQTW538GvJeps3T6mVXLlQJtB14Qb3FYkoo9TyvUGlC0tu2NYcpWOu7QtT7lY1HEHJfQDufs3Ff86oN2wMDjTMhbAHG-1mUcruHN-wPvpODt9qBSc/s1600/cafe+de+flore.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirv1TicNq6fO1ziniyKrpjJNUlfKBQTW538GvJeps3T6mVXLlQJtB14Qb3FYkoo9TyvUGlC0tu2NYcpWOu7QtT7lY1HEHJfQDufs3Ff86oN2wMDjTMhbAHG-1mUcruHN-wPvpODt9qBSc/s1600/cafe+de+flore.jpeg" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Merleau-Ponty, as voltas com sua Fenomenologia da percepção e com as inúmeras
críticas que recebera, convivendo com a desconfiança dos filósofos analíticos e
marxistas, meditando sobre o corpo, resumindo sua tese para as conferências na
Radio Nacional Francesa.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>As voltas com
as problemáticas do comunismo, com os horrores do totalitarismo e das guerras
que se desencadeavam por toda a Europa e por vários continentes; preparando
seus editorais para a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Revue Les Temps
Moderns</i>, da qual foi o editor político até o desentendimento com Sartre em
1952, preparando seus cursos para as aulas na Sorbonne e sua candidatura ao <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Collège de France</i>. Ali, naquele café,
escutando a música de sua musa, Julliete Grecco, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">les feuilles mortes</i>, entre um cigarro e um corpo de vinho, nosso
filósofo diria: “Na França, hoje, filosoficamente, não sabemos o que pensamos”
(Merleau-Ponty, 1996, 165). Clarice, sempre misteriosa e sedutora, vestida de
G. H., personagem que só ganharia vida anos mais tarde, após um longo e
profundo silêncio, diria: “- Ah, meu amor as coisas são muito delicadas. A
gente pisa nelas com uma pata humana demais” (Lispector, 2009, p. 154).</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Esse encontro torna-se possível se pensarmos por meio das simultaneidades
que permitem o encaixe dos tempos que marcam a obra de Claudel, de Proust que a
escritora e o filósofo conheciam tão bem. O espaço é relação de nossa carne e
da carne do mundo. Assim, a extraordinária descrição do espaço e do corpo feita
pela literatura nos permite esse encontro. Na literatura, o espaço é um espaço
de ubiqüidade onde os corpos se suprimem, onde os lugares se encaixam uns nos
outros, onde cada dado sensível abre-se para latências encaixadas. Tempo e
espaço são horizontes e não série de coisas. Tempo e espaço são horizontes que
se invadem, encaixados uns sobre os outros. Assim, pode-se ler o tempo no
espaço e o espaço no tempo como diferenciação do Ser. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Para Merleau-Ponty (1996), entre as mais célebres aquisições de Proust
encontra-se aquela da coesão do tempo e do espaço tal qual nós a vivemos, àquela
que nos ensina que o tempo é sempre perdido, que as coisas estão sempre no
passado, que a realidade se forma à distância, por evocação e notadamente pela
criação da linguagem. O passado perdido é também uma estranha ressurreição por
meio da palavra. É uma ausência que religa, é presença, quer seja pelo corpo e
pela memória ou pela palavra, o tempo, em todo caso, torna-se outra coisa que
sucessão: é uma pirâmide de “simultaneidade”.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A “simultaneidade” proposta por Claudel<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> é uma</i> co-presença do horizonte entre partes do espaço e partes de
tempo; do tempo ao espaço e do espaço ao tempo. “Eu vejo Waterloo e lá no Oceano
Indico, eu vejo, ao mesmo tempo, um pescador de pérolas cuja cabeça
repentinamente agita a água perto de seu catamarã” (Claudel, 1984, p.59). A
simultaneidade não é uma referencia a essência ou ideia, mas age por
diferenciação na carne do Ser. É nesse espaço e tempo simultâneos e encaixados
que o encontro entre o ser selvagem de Merleau-Ponty e G. H, a personagem
criada para viver a paixão de Clarice Lispector torna-se possível. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Na interface com a literatura, Merleau-Ponty busca não o estudo total da
arte de cada escritor, sua linguagem, seu modo de apresentação do mundo, mas
algumas passagens em que o escritor formula, resume seu mundo, inaugura o ato
de expressão. A literatura e a filosofia são compreendidas como participações
do ser e como experiências da humanidade.<span style="mso-spacerun: yes;">
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Nesse breve ensaio, cito algumas passagens do romance a Paixão segundo G.H. de
Clarice Lispector são transcritas no sentido de produzir um diálogo e de fazer
vibrar algumas questões que Merleau-Ponty discutiu no seu último curso no <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Collège de France</i>, sobre a ontologia e
uma ontologia indireta segundo a noção anunciada pelo filósofo, posto que busca
o contato com o mundo da vida, com a arte, com a história, com a ciência, com a
cultura, com os afetos.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A paixão segundo G.H. foi escrito em 1964 quando Clarice estava com 44
anos, separada do marido, com seus dois filhos, um deles, o mais velho,
apresentado um estado de esquizofrenia; morando no Rio de janeiro e trabalhando
como jornalista. G.H. Uma mulher entediada com sua vida decide fazer uma faxina
no apartamento de cobertura e decide começar justo pelo quarto da empregada,
recentemente despedida. Surpreende-se com o vazio e o desconhecido que aquele
espaço lhe provocara, uma sensação de estranhamento em sua própria casa que
aumenta e é acrescida pelo nojo que sente ao se deparar com uma barata e
esmagá-la na porta do armário. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Numa espécie de ascese, G. H. degusta a barata morta e começa a se
questionar sobre sua existência, sobre a sua humanidade e sobre a paixão do
humano, como podemos ler em Lispector (2009): </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 11.0pt; line-height: 150%;">Era como se antes eu estivesse estado
com o paladar viciado de sal e açúcar, e com a alma viciada por alegrias e
dores – e nunca tivesse sentido o gosto primeiro. E agora sentia o gosto do
nada. Velozmente eu me desviciava, e o gosto era novo como o do leite materno
que só tem gosto para boca de criança. Com o desmoronamento de minha
civilização e de minha humanidade – o que me era um sofrimento de grande
saudade – com a perda da humanidade, eu passava orgiacamente a sentir o gosto
da identidade das coisas.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É muito
difícil sentir. Até então eu estivera tão engrossada pela sedimentação que, ao
experimentar o gosto da identidade real, esta parecia tão sem gosto como o
gosto que tem na boca uma gota de chuva. É horrivelmente insípido, meu amor (p.
101, 102).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A experiência de G.H. e a experiência da ontologia selvagem encontram-se
nessa intensidade das paixões, exige sentir de novas maneiras, interrogar-se a
si mesmo ainda que temendo a dor e a perda,<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>mais que isso: a possibilidade<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>de
reconhecê-las como caminho para reencontrar o Ser. A advertência da escritora
aos possíveis leitores é significativa e como que uma preparação para a tarefa
a ser realizada, conforme Lispector (2009): </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 11.0pt; line-height: 150%;">Este livro é como um livro qualquer.
Mas eu ficaria contente se fosse lido apenas por pessoas de alma já formada.
Aquelas que sabem que a aproximação, do que quer que seja, se faz gradualmente
e penosamente – atravessando inclusive o oposto daquilo que vai se aproximar.
Aquelas pessoas que, só elas, entenderão bem devagar que esse livro nada tira
de ninguém. A mim, por exemplo, o personagem G.H. foi dando pouco a pouco uma
alegria difícil; mas, chama-se alegria. (p. 5).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
O curso sobre a ontologia, assim como os anteriores, foi cuidadosamente
preparado até o último instante. Merleau-Ponty releu, corrigiu talvez, as notas
que ele havia redigido tendo em vista do curso que deveria dar no dia seguinte
no <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Collège de France</i> quando, tarde,
na noite de quarta-feira de três de maio de 1961, ele foi repentinamente vítima
de uma parada cardíaca. Sobre sua mesa de trabalho, próximo ao sofá onde ele
havia se instalado com seus papéis, como se na espera da visita de um amigo
próximo, um livro estava aberto: a <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Dioptrique</i>
de Descartes. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Conforme lemos no prefácio feito por Claude Lefort para a publicação
desses cursos considera-se que à época, a despeito do sucesso que os livros de
Merleau-Ponty tinham conhecido enquanto vivo, seus trabalhos interessavam
somente a um público muito restrito. Os filósofos que até então captavam com
atenção seus cursos tiveram cuidado de ignorar a virada que ele fizera na
fenomenologia e o acesso que ele havia aberto a uma ontologia de novo gênero –
“indireta”, segundo sua fórmula - ligando em uma mesma interrogação os
problemas da filosofia, da psicologia, da psicanálise, das ciências da
natureza, da arte, da literatura e da política. Esses últimos anos, como se
tivesse sido necessário que a obra de Merleau-Ponty conhecesse um período de
latência, ela se vê cada vez mais largamente reconhecida, tanto na França como
fora da França.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
O diálogo com a literatura, o cinema, a pintura provocou deslocamentos em
sua fenomenologia. A exploração da pintura, da poesia, das imagens do cinema
nos dá uma nova visão do tempo e do homem, bem como outras maneiras de perceber
a ciência e a filosofia. Na filosofia de Merleau-Ponty, sobretudo a partir das
obras publicadas posteriormente a sua obra mais conhecida, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Phénoménologie de la
Perception</i> (Merleau-Ponty, 1945) encontra-se um acerto de
contas com a fenomenologia de Husserl e o deslocamento de uma filosofia da
consciência para uma profunda meditação sobre o corpo e sua experiência
cinestésica, cuja estesia será expressiva de uma nova filosofia e de uma nova
maneira de fazer filosofia. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Filosofia, literatura e educação são obras de linguagem que permitem a
comunicação sensível, contato com o mundo da vida e com o outrem, a história, a
cultura e os afetos.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Conforme
Merleau-Ponty (1996): </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="font-size: 11.0pt; line-height: 150%;">Os escritores não tem a impressão de
criar,de inventar, porque eles estão com efeito em vias de decifrar os
hieróglifos de sua paisagem. Mas, eles criam porque 1) essas verdades mudas
tomam sua paisagem, ninguém as faria falar em seu lugar; 2) uma vez convertidas
em coisas ditas elas tomam lugar, senão como quadro n visível, ao menos no
Mundo que é, como o visível, chamado a falar – Outros aprendem lendo-as para
dizê-las a outros (p.203).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Nesse cenário, compreendemos que entre filosofia e literatura são tecidas
relações expressivas que podem alimentar a educação como maneira de ser e estar
no mundo, como presença sensível, como corpo, como carne do mundo. </div>
Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-38136764008684369902013-02-27T08:06:00.002-08:002013-02-27T08:13:59.804-08:00A dança como poética do corpo e da vida <!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">A dança como poética do corpo e da
vida. </b>Esse título remete a uma compreensão de dança que não se apega aos
estilos ou gêneros da dança. Dessa maneira, a dança dá vida ao corpo e o corpo
dá vida à dança, numa indivisão de sentidos. A poética refere-se aqui à
estesia, aos estados do corpo, suas sensações, afetos. Encontro essa poética
nas obras de Maurice Bejart, Isadora, Laban, Maria Fux, Pina Bausch, Salia ni
Seydou, Mathilde Monnier e tantos outros criadores da dança. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Essa poética também está em Nietzsche, Schoppenhauer, Merleau-Ponty,
Rimbaud, Paul Claudel, Fernando Pessoa, Manoel de Barros, filósofos e poetas que
me ensinam a amar a vida com seus pensamentos vibrantes e corajosos. Assim como
Nietzsche, considero perdido o dia em que, pelo menos uma vez, não se tenha
dançado, colocando o corpo e a dança como metáfora de sua filosofia e de sua
estética. Essa poética também atravessa as danças de Edson Claro, Edeilson
Matias, Dimas Carlos, Roosevelt Pimenta, com seu emblemático Uirapuru.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Partilho com os leitores um trecho das “Cartas a um jovem dançarino, de
Maurice Béjart. Uma declaração de amor a dança escrita em forma de carta a um
dançarino imaginário e que faz todo sentido para os que amam e pensam a dança. Viva
a dança, escreve Béjart: </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Viva a dança. “Eu não sei o que é um arabesque. Jamais vi um arabesque,
sim eu o repeti inúmeras vezes; mas eu vi Mademoisele X ou monsieur Y executar
essa forma que os dançarinos chamam arabesque.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
O que Béjart quer dizer quando escreve que jamais viu um arabesque,
embora o tenha repetido muitas vezes? Ele não viu a forma, a mecânica do gesto.
Ele viu Mademoiselle X ou monsieur Y executar arabesques. Béjart se interessa pelo
humano dos nossos gestos. É o ser humano que dança, a dança não existe fora de
um corpo humano, com uma história, com uma emoção, com uma cultura.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Vamos então olhar para os nossos dançarinos, ver além das formas
acadêmicas da dança, das técnicas clássicas, modernas, jazzísticas. Vamos
buscar enxergar o humano de nossos gestos, pois é aí que a dança habita, se
reinventa e nos reinventa.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Todas as danças encontram o princípio da expressão no corpo. O movimento
nasce da tensão, aliás a etmologia da palavra dança remete à ideia de tensão. A
tensão tem uma ligação profunda com essa forma de expressão que é a dança. O
movimento nasce da oscilação entre a tensão e o relaxamento, é um princípio
fisiológico do movimento. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A dança é a arte primeira por excelência, efêmera, passageira,
impalpável, a mais física, a mais intima e pessoal das artes pois exige o
envolvimento de todo o corpo – nosso corpo. Corpo que eu chamo de meu, corpo
que vejo no outro, corpo que está atado a um mundo com o qual me comunico.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A dança é energia, flama, sopro, sedução e possessão, êxtase e
encantamento.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A dança tem mil faces
conforme o lugar onde ela se exprime, o lugar de onde a olhamos, que ela seja
folclórica ou tradicional, clássica ou contemporânea, ela é mestiça, toma
várias formas, responde a múltiplas funções. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Faço um parêntesis para dizer que na dança contemporânea há que se observar
não apenas o aspecto cronológico, como sendo aquilo que é produzido hoje, mas o
valor poético, estético e que no caso da dita dança contemporânea, é híbrida,
como afirma François Frimat, professor de Filosofia e Diretor do Festival de
dança de Lille (latitudes contemporâneas).</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
No Ocidente a dança é, antes de tudo, divertimento e linguagem estética.
Mas, em outras partes do mundo ela está no coração do ritual e da expressão de
uma comunicação direta com o sagrado, ela é celebração, comunhão com a natureza.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Mesmo quando a dança é vista como linguagem estética, podemos expressar o
encantamento e um estado de comunhão com a natureza, e mais, ainda consigo
mesmo, a dança como celebração da vida, como apreciamos em Isadora, Mary
Wigman, Béjart, Nijinsky e mais recentemente nas obras de Pina Bausch. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Gostaria de explorar esse aspecto da poética do corpo e da vida na dança
que é também celebração por meio de seus gestos. Para tanto, começo lembrando
François Delsarte, pensador do século XIX, para quem o gesto é o agente direto
do coração. Essa compreensão irá influenciar os criadores de dança no século XX.
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Minha arte é precisamente um esforço para exprimir em gestos e em
movimentos a verdade do meu ser. Foram necessários longos anos para encontrar o
movimento. Desde o começo não fiz outra coisa senão dançar minha vida, afirma
Isadora em sua autobiografia.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A invenção de uma nova subjetividade pode também ser compreendida através
da dança em todos os tempos, em especial no século XX e em nossa época. O corpo
é um espaço íntimo, mas também social. A dança permite expressar, a um só
tempo, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>essa intimidade e essa extensão
social, o quiasma, o entrelaçamento do corpo e do mundo. Por isso as técnicas
mudam, a cena se transforma, os gestos não são mais os mesmos e de algum modo
refletem ou se comunicam com as configurações sociais e políticas de um dado
momento histórico. Cito como exemplo o Uirapuru, encenado por muitas companhias
brasileiras, com um significado estético de se buscar um balé brasileiro e um
sentido político<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>em pleno período da
ditadura militar nos anos de 1970.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A exposição <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Danser sa vie</i>, em
cartaz no Centro George Pompidou, em Paris, nesse ano de 2012, trouxe ao grande
público a relação entre a dança e a arte moderna, mas, sobretudo, a vida como
centro das preocupações dos artistas.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A dança como expressão de si foi a tônica em todo século XX: Isadora,
Nijinski, apresentam novas fontes de inspiração, desnudam-se,celebram o êxtase
do corpo. Nesse mesmo início de século Jacques-Dalcroze cria sua escola para
educar os corpos em função dos ritmos musicais em meio a paisagens naturais. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A eurritmia de Dalcroze, assim como as teorias do movimento de Laban, influenciaram
os pioneiros da dança moderna e da dança contemporânea, como Mary Wigman,
Nijinsky, Béjart e Pina Bausch por exemplo.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Contemporaneamente Pina Bausch encena lições de Laban e de outros
pedagogos e dramaturgos, mostrando intensamente como a dança e a vida se
comunicam. Dancemos, dancemos dizia Pina Bausch senão estaremos perdidos. Para
Pina Bausch, suas danças tratam da vida, busca encontrar uma linguagem para a
vida. Trata-se do que ainda não é arte, mas que talvez possa se tornar arte. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Esses extratos buscam compreender a dança como poética do corpo e da
vida. O corpo não é jamais dado, nem na dança, nem no esporte, pois ele se
reinventa no movimento. Encontrar essa poética, essa criação é o que dá sentido
à dança, sua técnica, sua estética. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A dança é corpo em
movimento. Como expressão da poética do corpo, podemos
considerar o Balé a Sagração de Primavera. A Versão original, criada por
Nijinsky para os Ballets Russes, com música de Igor Stravinsky teve sua estréia
em maio de 1913, em Paris. As
vaias impediam de ouvir a música afirma Gertrude Stein, uma das muitas
personalidades que ali estavam. A coreografia é baseada em uma lenda russa e
conta a história de uma jovem, a eleita, que precisa ser sacrificada em
oferenda ao Deus da Primavera. Para elaborar a coreografia composta com
movimentos de contorções e tremores, Nijinsky tomou como base a técnica da
eurritmia de Dalcroze. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; tab-stops: 373.5pt; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Uma das versões desse Ballet, refiro-me a versão contemporânea
de Pina Bausch apresenta a mesma força orgânica do corpo em meio a terra. A
respiração, as contorções, os gestos dão vida ao corpo e expressam essa relação
mítico-mágica com a natureza, com a duração, o fluxo do tempo, com as transformações
que configuram a vida, à fertilidade, ao corpo e seus instintos. Nos movimentos
sente-se a tensão do corpo e ao mesmo tempo, sua leveza. Em outros momentos, a
embriaguez da dança se faz presente, é uma dança dionisíaca no sentido
apresentado por Nietzsche, uma dança que celebra o corpo e sua ligação com a
terra, envolvidos pela percussão que expressa esse orgânico de forma
dionisíaca. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; tab-stops: 373.5pt; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><i style="mso-bidi-font-style: normal;">Le Sacré de Printemps</i> é uma coreografia
com muitas versões (Béjart, Graham, Pina Bausch, Paul Taylor), em diferentes
gêneros, espaços, e tempos; mas que tem a marca, o valor estético e poético do
híbrido, pela força do corpo. Desde a versão original, apesar das vaias do
público, tornou-se um clássico da dança. A coreografia abandona a graciosidade
das curvas, quebra o equilíbrio do corpo de baile em torno do eixo central da
cena, introduz o princípio da assimetria. O único solo é o da virgem eleita.
Aliás, essa cena é emblemática da força do corpo, o medo, o desejo, o poder que
envolve o ritual da escolha e da possessão. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; tab-stops: 373.5pt; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A força da interpretação dos dançarinos faz sentir a
força da vida, da natureza em nós, das metamorfoses que fazem o sal da vida e
da existência e que foram tema dos grandes artistas aqui citados como Isadora,
Nijinsky, Béjart, Pina Bausch e que pode nos servir de inspiração para a dança.
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Assim, dançar é escolher o corpo e o movimento como campo de relação com
o mundo, como expressão, como encantamento, como poética da vida em sua
efemeridade.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Para terminar cito Paul Valéry, em a alma e a dança:</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
“A dança é uma coisa completamente diferente. É sem dúvida um sistema de
atos, mas sem fim em si mesmo. Não conduz a nada [EFEMERA]. E se persegue um
objetivo qualquer, é sempre um objetivo ideal, um estado de inebriamento, um
fantasma de flor, um momento extremo [EXTASE], um sorriso que se forma no rosto
de quem o solicitava ao espaço vazio. Não se trata pois de efetuar uma operação
finita, e cujo fim se situa em algum lugar [TECNICISMO, VIRTUOSISMO], mas sim
de criar e de manter, exaltadamente, um certo estado [ POÉTICO], graças a um
movimento periódico que pode ser executado no mesmo lugar; movimento que se
desinteressa quase completamente do olhar, mas que se excita e se regula pelos
ritmos auditivos’ [MUSICA E MOVIMENTO, CORPO E ALMA] como nos ensinam os
filósofos, poetas e dançarinos de todos os tempos e lugares.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 200%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqdzA2EL1_1sxSu6B0rsPvg1Wm35xQ14SDCI9N3GzZ0QrYdxRBM69bzxtqv-YVeMDnIXbPi9hKLUa1jQ02cyNaTx-WiPoVZtiF_AN-6dEYmkx4SsVc4WzPAHSlTzSzvnLHdk4iCeCesPU/s1600/PINA+BAUSCH.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="224" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqdzA2EL1_1sxSu6B0rsPvg1Wm35xQ14SDCI9N3GzZ0QrYdxRBM69bzxtqv-YVeMDnIXbPi9hKLUa1jQ02cyNaTx-WiPoVZtiF_AN-6dEYmkx4SsVc4WzPAHSlTzSzvnLHdk4iCeCesPU/s320/PINA+BAUSCH.jpg" width="320" /></a></div>
<br /></div>
Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-8673829164730494952013-02-27T08:02:00.002-08:002013-02-27T08:02:55.548-08:00retomando as atividades do blog corpoCom essa postagem pretendo retomar as atividades de publicação no BLOGCORPO, como possibilidade de comunicação com pessoas interessadas nos estudos do corpo e da fenomenologia de Merleau-Ponty, criando um movimento de pensamento e experiência em torno dessa temática.<br />
<br />
<br />Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-68874763296595437252008-12-18T09:35:00.000-08:002008-12-18T09:45:15.735-08:00Merleau-Ponty o corpo como carne do mundo<div align="justify"><span style="font-family:courier new;">A porosidade das fronteiras entre o corpo e a alma, e mais notadamente entre o corpo objeto e corpo sujeito, entre o corpo individual e o corpo coletivo acentuou-se no século XX.<br />Há uma agenda de pesquisa sobre o corpo bastante intensa. </span><span style="font-family:courier new;">O corpo circula entre proibições, permissões, regras, controle, modos de existir se organizam em torno da visibilidade do corpo, de seus gestos, de sua linguagem. </span></div><div align="justify"><br /><span style="font-family:courier new;">Jean-Jacques Courtine vai dizer, na apresentação do terceiro volume da história do corpo (editora vozes, 2006), que o século XX inventou teoricamente o corpo, sobretudo com Freud e com a fenomenologia de Husserl e de Merleau-Ponty, com o corpo no mundo e vai dizer que a história do corpo no campo das ciências humanas e sociais e no campo da vida está só começando. </span></div><div align="justify"><span style="font-family:courier new;"><br />Nesse campo, as teses de Merleau-Ponty são significativas. Ao tratar de uma metafísica da carne, que nada tem a ver com essencialismos, solipsimos, determinismos de nenhuma ordem, Merleau-Ponty irá meditar sobre a imbricação do corpo no mundo, o corpo como sensível exemplar e sobretudo sobre a corporeidade como condição do ser selvagem.</span></div><div align="justify"><span style="font-family:courier new;"></span></div><div align="justify"><br /><span style="font-family:courier new;">Em o Visível e o invisível dirá: Não vejo os meus olhos, nem tampouco o meu dorso. Essa carência, essa lacuna é preenchida por um visível do qual não somos titulares. Assim busco acoplamentos, conexões com a carne do mundo. </span></div><div align="justify"><br /><span style="font-family:courier new;">O corpo cria movimentos e ao mover-se cria sentidos, desequilibra, inverte. Sobre o quiasma corpo e mundo, Merleau-Ponty afirma: “movimento, tato, visão, aplicam-se ao outro e a eles próprios. No trabalho paciente e silencioso do desejo, começa o paradoxo da expressão” (O Visível e o invisível).</span></div><div align="justify"><br /><span style="font-family:courier new;">Na mesma obra, afirma: “Qualquer que seja o modo pela qual a compreendamos (a idealidade cultural), ela já brota e se espalha nas articulações do corpo estesiológico”. Prolongamentos do corpo, dobras do corpo no mundo, uma percepção selvagem (indeterminada). Ontologia do ser selvagem, ser da criação. As determinações atravessam o corpo, mas o corpo se dobra, desdobra, dança, cria novos arranjos, performances, sentidos...</span></div><div align="justify"><br /><span style="font-family:courier new;">A noção do corpo como carne evidencia o desapego de Merleau-Ponty à filosofia da consciência e o deslocamento epistemológico em sua fenomenologia para além dos caminhos da percepção, cuja tarefa assume o lugar de uma meditação inacabada sobre o corpo. A noção de corpo como carne abriu espaço para a noção de corpo-sem-órgãos proposta por Deleuze e Guattari, em sua relação às intensidades corporais, às experimentações do corpo e produções de subjetividades. </span></div><div align="justify"><span style="font-family:courier new;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:courier new;"></span></div><div align="justify"><span style="font-family:courier new;"><br />Nas dobras do corpo, carne no mundo, a moralidade ou os determinismos de qualquer natureza não tem mais espaço para o pensamento e para a existência. Não se trata mais de uma metafísica essencial, idealista; mas uma metafísica da carne, nervura do visível e do invisível, ontologia do ser bruto, experiência de ser no mundo.</span></div><div align="justify"><br /><br /><span style="font-family:courier new;"></span></div>Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-60106355055244309842008-10-09T10:24:00.000-07:002008-10-09T10:29:14.819-07:00A DUVIDA DE CEZANNE<div align="justify">Comentário sobre A dúvida de Cézanne – Ensaio estético de Merleau-Ponty<br />por Petrucia Nóbrega<br /><br />O ensaio inaugura, confirma e amplifica o pensamento estético de Merleau-Ponty, com ênfase em uma reflexão inacabada, pois o pensamento, a verdade, a obra, a vida são também inacabadas. Pode a obra corresponder, retratar, dizer a vida? A angústia de Cézanne e o motor do ensaio escrito por Merleau-Ponty. </div><div align="justify"><br />A dúvida de Cézanne busca e apresenta vias de comunicação entre a vida e a obra, fazendo vibrá-las, buscando novas formas de expressão, comunicação, registro e escritura.<br />Cézanne irá buscar nas cores, na embriaguez das sensações, no mergulho na natureza, nas deformações da visão humana, em sua contingência corpórea, esquizóide, o motivo para sua arte, para seus quadros, para sua vida. “para um pintor como esse, afirma Merleau-Ponty (p.133), uma única emoção era possível: o sentimento de estranheza, e, um único lirismo: o da existência sempre recomeçada”. Creio que podemos estender esse mesmo pensamento ao filósofo Merleau-Ponty, sua meditação sobre o corpo, sua interrogação sobre a filosofia e a ontologia do ser sensível, bruto ou selvagem.</div><div align="justify"> </div><div align="justify"><br />Para fazer vibrar a arte e a vida Cézanne recusa a perspectiva geométrica, não quer uma pintura inteiramente organizada, sem deformações. Estas correspondem ao paradoxo do mundo e da nossa visão sobre as coisas e sobre a própria existência. </div><div align="justify"><br />A composição da palheta de Cézanne já mostrava a corpo como experiência, como imbricação corpo e mundo, contemporaneamente estudada pelas ciências cognitivas, para além da fisiologia da visão, das impressões luminosas e da cor como atributo da luz<a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=7412941725886709480#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. </div><div align="justify"><br />Émile Bernard diz que Cézanne teria mergulhado a pintura na ignorância e seu espírito nas trevas (p.127). Mas, “só pode julgar assim sua pintura quem não prestou atenção à metade do que ele disse e fechar os olhos ao que ele pintou” (p. 128). Para compreender Cézanne é preciso ver Cézanne – só se vê o que se olha (OE). É a experiência sensível que nos ensina a enxergar. É o movimento do olhar que amplifica o nosso conhecimento. </div><div align="justify"><br />Em seu mergulho na natureza, Cézanne recusa as dicotomias. Diz Merleau-Ponty, cujo resumo encontra-se em uma das citações mais recorrentes de seu pensamento estético, segundo Merleau-Ponty (p.128):<br /><br />“Cézanne não acreditou ter que escolher entre a sensação e o pensamento, como entre o caos e a ordem. Ele não quer separar as coisas fixas que aparecem ao nosso olhar e sua maneira fugaz de aparecer, quer pintar a matéria em via de se formar, a ordem nascendo por uma organização espontânea”.</div><div align="justify"><br />Ao pintar, ao transformar a paisagem, o objeto, as figuras humanas em quadro, Cézanne imobiliza as sensações, detém-lhes o movimento. Porém, esse movimento é retomado pelo seu próprio olhar, dirigido inúmeras vezes ao Monte Santa Vitória, aos banhistas, às naturezas-morta. O movimento também é retomado pelo olhar do outro (p.135, 136). </div><div align="justify"><br />O pintor, o artista, o filósofo, o professor, através de sua obra deve não apenas criar ou exprimir uma idéia, mas despertar as experiências que a enraizarão em outros corpos. Vivemos em meio a objetos construídos pelos homens, em casas, ruas, cidades. Na maior parte do tempo não vemos senão a partir do nosso ponto de vista humano. A pintura de Cézanne rompe com essa familiaridade. </div><div align="justify"><br />No ensaio, a arte não é compreendida como imitação, nem como fabricação segundo os desejos ou o bom gosto, nem como recreação, divertimento. O pintor assume a cultura, mas a concepção não precede a execução da obra. “Antes da expressão não há senão uma febre vaga e somente a obra feita e compreendida provará que se devia encontrar ali alguma coisa em vez de nada” (p.134).</div><div align="justify"><br />Os gestos do pintor transformam-se em pintura. A técnica não é um fim em si mesma, precisa considerar a paisagem. “A anatomia, os desenhos estão presentes como as regras do jogo numa partida de tênis. O que motiva um gesto do pintor nunca pode ser apenas a perspectiva ou apenas a geometria, as leis da decomposição das cores ou um outro conhecimento qualquer (p.132). “Ele germinava na paisagem”, diz Hortense sobre Cézanne. </div><div align="justify"><br />O tema da contingência do corpo, da vida, dos vínculos afetivos com a infância, com a mãe, com o pai, os amigos estarão presentes na obra, sem determiná-la, mas “a verdade é que essa obra por fazer exigia essa vida” (p. 136).</div><div align="justify"> </div><div align="justify"> A liberdade só pode ser encontrada no curso da vida. A interpretação de Freud sobre Da Vinci, em especial sobre a figura do abutre em A Virgem com o menino e Sant’ Anna, é arbitrária. Merleau-Ponty tece algumas críticas a teoria da sexualidade de Freud, o que não inviabiliza a intuição psicanalítica. “ A liberdade é sempre uma retomada criadora de nós mesmos” (p. 142).<br /><br /><br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=7412941725886709480#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> ESTUDO DAS CORES NAS CIÊNCIAS COGNITIVAS (Varela e colaboradores).<br /> </div>Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-3789848400712312712008-08-31T06:50:00.001-07:002008-08-31T06:51:54.777-07:00O pensamento estético de Merleau-Ponty<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1D108_3dazwSgFscG345huNg_wNE7zn87IhD_steBk3YbCpo8Y5Qw91k-pukH3SHN08yvqu0cp43Bzf59z9vRZkKN8zkpZnubBmdSZ5__wrGW8xVafKM9d49qTIdBzoR-bgDiQ02YZo8/s1600-h/GRANDES+BANHISTAS.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5240679125673945122" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1D108_3dazwSgFscG345huNg_wNE7zn87IhD_steBk3YbCpo8Y5Qw91k-pukH3SHN08yvqu0cp43Bzf59z9vRZkKN8zkpZnubBmdSZ5__wrGW8xVafKM9d49qTIdBzoR-bgDiQ02YZo8/s200/GRANDES+BANHISTAS.jpg" border="0" /></a><br /><div align="justify"><br />Com esse título pretende-se abordar a filosofia de Merleau-Ponty como um pensamento estético, com destaque para o corpo como sensível exemplar, a metafísica da carne, a estesia, o logos estético.<br /><br />A meditação sobre a arte, em especial a pintura irá provocar deslocamentos no pensamento do filósofo, um acerto de contas com a própria fenomenologia. A arte redimensiona a filosofia, oferece-lhe novos meios para pensar. Merleau-Ponty não faz uma teoria crítica ou uma história da arte. A arte é uma celebração do corpo, estesia, ciência emblemática dos sentidos. O filósofo também não escreve uma estética filosófica, busca o logos estético como possibilidade de enxergar a vida filosófica como uma criação, uma invenção poética do conhecimento e da vida.<br /><br />No inventário do visível que a pintura moderna produz, Merleau-Ponty busca a força do espanto para criticar a ciência moderna e o pensamento reflexivo e o privilégio da consciência e do racionalismo.<br /><br />O encontro com a arte, o romance, o cinema, a pintura, a literatura dá a Merleau-Ponty uma via filosófica inteiramente nova, não mais os caminhos da percepção, mas de um pensamento corpóreo, expressivo, linguagem muda, posto que as significações também são de outra ordem, não mais a ordem do cogito ou de uma consciência ordenadora, mas desdobradas da carne.<br /><br />Significações que sangram diante de nós e para as quais a moralidade ou os determinismos de qualquer natureza não tem mais espaço para o pensamento e para a existência. Não se trata mais de uma metafísica essencial, idealista; mas uma metafísica da carne, nervura do visível e do invisível, ontologia do ser bruto, experiência do mundo.</div><br /><div align="justify"><br />Segundo Merleau-Ponty, em o romance e a metafísica, a expressão filosófica assume as mesmas ambigüidades que a expressão literária, pois o mundo não pode se expressar além de “histórias”. Uma velha jaqueta sobre o assento não se comporta em absoluto como uma consciência, as coisas necessitam do meu olhar para existir, necessitam portanto de um movimento do corpo, o olhar, para produzir a visão e a existência; assim nos salvamos da transcendência. </div>Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-67679228387982593332008-06-26T16:18:00.000-07:002008-06-26T16:21:21.377-07:00MOVIMENTOS DO CORPO E DO PENSAMENTO<div align="justify"><br /> No Pósfácio de O Visível e o Invisível, Claude Lefort diz que a morte de um amigo nos põe à beira de um abismo. Tanto mais que nada a fazia supor, o que ocorreu não se pode imputar à doença, à velhice. Ainda mais quando aquele que morre está vivo a ponto de ligar nossos pensamentos aos seus, de nele procurarmos as forças que carecemos. Tal foi a repentina morte de Maurice Merleau-Ponty. A obra está a termo e o termo veio depressa demais, mas esse lamento nada pode contra a evidência de que a obra nasce no momento em que se encerra.<br /><br />Com a obra a termo, cabe-nos a tarefa de buscar o movimento das idéias e da própria reflexão. Nas primeiras obras Merleau-Ponty se manteve no campo da filosofia da consciência (consciência perceptiva, o que já representava uma ruptura com a tradição filosófica), mas ele mesmo não deixou de apontar as dificuldades para mover-se no interior desses parâmetros que era objeto de sua crítica (o cogito, a consciência, a racionalidade, a percepção, a linguagem).<br /><br />O diálogo com a literatura, o cinema, a pintura provocou deslocamentos em sua fenomenologia. A exploração da pintura, da poesia, das imagens do cinema nos dá uma nova visão do tempo e do homem, bem como outras maneiras de perceber a ciência e a filosofia.<br /><br /> Em obras como Sinais (Signos) e em o Visível e o Invisível encontramos um acerto de contas com a fenomenologia de Husserl e o deslocamento de uma filosofia da consciência para uma profunda meditação sobre o corpo e sua experiência cinestésica, cuja estesia será expressiva de uma nova filosofia ou de uma nova maneira de fazer filosofia.<br /><br />Da relação Corpo e consciência para a experimentação do corpo no mundo<br /><br />Nesse movimento, destaca-se inicialmente, o diálogo com as ciências, em especial com a fisiologia e com a psicologia. Por meio da revisão dos conceitos científicos de corpo, motricidade, sensação e percepção, Merleau-ponty questiona a profunda cisão entre o corpóreo – tomado como pura exterioridade, o corpo como um mosaico de partes isoladas, que funcionam segundo relações de causalidade linear – E/R - e o pensamento reflexivo – tomado como pura interioridade, como posse intelectual do mundo. Fará esse questionamento por meio da percepção, compreendida como cinestésica, ligada ao corpo e sua capacidade de criar movimentos.<br /><br />O enigma do corpo e do mundo, do pensamento e da ação produz novas significações, novas interrogações, novas informações, novas excitações, novas situações que continuam a se produzir cada vez que olhamos o quadro e somos afetados por ele. Nesse movimento, o paradoxo do corpo não cessará de produzir outro, o do mundo; uma vez que o mundo é feito do mesmo estofo do corpo.<br /><br />Essa percepção não é uma tomada de “consciência“ de um sujeito que constitui o mundo por representação, um sujeito espiritual (ser puro), mas é experimentação de um sujeito encarnado, sujeito que é corpo, visível e invisível para si próprio (presença e ausência de si), um corpo imbricado no mundo, um corpo que se move.<br /><br />Esse movimento corpo, consciência, corpo e mundo, a propósito do tempo, do espaço, do movimento, do outro, têm impulsionado novas práticas na educação física, novas maneiras de se movimentar para além do deslocamento mecânico das partes do corpo no espaço, dos conteúdos e métodos de ensino tradicional, dos preconceitos em relação à aptidão física, padrões corporais, relações de gênero, entre outros aspectos da cultura de movimento e de sua apropriação em diferentes áreas de conhecimento.</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Petrucia Nóbrega</div><div align="justify">Trecho da comunicação apresentada no Café Filosófico´Projeto de extensão do </div><div align="justify">Grupo de pesquisa metafísica e Tradição e TV Universitária/UFRN</div>Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-425177970126833502008-06-02T16:20:00.000-07:002008-06-02T16:22:08.850-07:00A EDUCAÇÃO COMO PROSA DO MUNDO<div align="justify">Há muitos escritos sobre o corpo e educação, haveria ainda algo a ser dito? Talvez não, mas a impressão é de que falta muito a ser realizado quando se trata de considerar o corpo nas práticas educativas para além de sua instrumentalização em processos de aprendizagem. Talvez essa reflexão possa conduzir ao espanto como condição de reaprende a ver o mundo, reconvocar por inteiro nossa sensibilidade, nosso poder de agir e de criar horizontes. </div><div align="justify"><br />Sendo o corpo condição existencial, afetiva, histórica, epistemológica como compreendemos na fenomenologia de Merleau-Ponty, precisamos admitir que o corpo já está presente na educação. O desafio é superar as práticas disciplinares que o atravessam e reencontrar outras linhas de força. Desse modo, as aventuras pessoais, os acontecimentos banais ou históricos, a linguagem do corpo precisa ser considerada no ato de ensinar. </div><div align="justify"> </div><div align="justify"> Em A prosa do mundo, o filósofo afirma: “Todo o meu aparelho corporal se reúne para alcançar e dizer a palavra, assim como minha mão se mobiliza espontaneamente para pegar o que me estendem (...). O “eu” que fala está instalado em seu corpo e em sua linguagem não como numa prisão, mas, ao contrário, como um aparelho que o transporta magicamente à perspectiva do outro” (MERLEAU-PONTY, 1969/2002, p.41). </div><div align="justify"><br />Nessa nota sobre educação, as experiências com a formação de professores de Arte e de educação Física mostram possibilidades de convivência com o corpo que se inspiram nas teses fenomenológicas. Nestas, a experimentação das técnicas corporais procura aprofundar a relação do ser-no-mundo, compreender a espacialidade do corpo, a tonicidade, a linguagem do gesto, do silêncio e da voz. As experiências do contato humano, dos gestos construídos em diferentes culturas amplificam o olhar como campo da experiência sensível e da imputação de sentidos.<br /></div><div align="justify">No entanto, essa filosofia do corpo não se restringe a Educação Física ou a Arte. Trata-se de uma reflexão mais ampla sobre a educação, em particular aquela que ocorre em instituições como as universidades e as escolas. A idéia de esboço, de inacabamento da obra de arte é figurativa de uma idéia de educação em que os processos de conhecimento não se reduzem as etapas pré-estabelecidas ou a categorias abstratas. Assim como na obra de arte, os olhares que se cruzam diante dos conceitos, das noções, das estratégias são permeados de sensibilidade e provocam sentidos múltiplos. Como conseqüência não há somente uma forma de aprender ou mesmo uma coisa ou um conjunto definido de coisas a serem aprendidas. Podemos aprender diferentes coisas em uma mesma situação educativa. </div><div align="justify"><br />Uma filosofia figurada do corpo, como se pode ver nos cinco corpos vermelhos pintados por Matisse em La Danse, poderá contaminar uma compreensão de educação cujos limites, contornos, posições no espaço não sejam unificadas ou unificadoras, mas permitam diferentes aproximações, pontos de vista, trajetórias, linhas de força. Talvez essa filosofia do corpo possa animar, movimentar as nossas estruturas corporais e espirituais, bem como as estruturas dos espaços educativos, dos currículos, dos horários, dos exames. Confundir as nossas categorias lógicas, como Matisse confunde as cores, os contornos, as texturas, é uma forma de exercício e quem sabe uma possibilidade de imputar novos sentidos ou de retomar sentidos deixados para trás. </div><div align="justify"><br />Que educação seria essa? Uma educação sensível? Uma educação estética? Uma educação como aprendizagem da cultura? Uma educação para a liberdade ou para a emancipação, para a transgressão, para a resistência? Todas essas e talvez outras que possamos inventar ou que já foram inventadas alhures. Essas expressões, algumas delas recorrentes em importantes teorias educacionais, apresentam uma compreensão do corpo, sendo mais ou menos explícita em algumas escolas de pensamento que em outras. Esse movimento em torno do corpo tem gerado questionamentos, polêmicas, incômodos. Toda educação seria uma educação física ou mesmo uma educação do corpo? Sim e não. Sim se pensarmos do ponto de vista ontológico e não se pensarmos com uma razão didática. </div><div align="justify"><br />No primeiro sentido corremos o risco da hipostasia e no segundo da instrumentalização do corpo. Talvez o mais indicado seja nos situarmos na dobra, no enigma. A originalidade desse pensamento não está na antinomia, mas no cruzamento, no quiasma, nas dobras que envolvem o acontecimento. A animação do corpo não está no inventário das partes ou na encarnação de um espírito como pólos opostos, encontra-se na experiência do corpo, em sua reflexividade capaz de colocar o sujeito em relação com o mundo e assim inaugurar atos de conhecimento.</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Petrucia Nóbrega</div><div align="justify"><br />Referências<br />MATISSE, Henri. Escritos e reflexões sobre arte. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 1972/2007.<br />MERLEAU-PONTY, Maurice. A prosa do mundo. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 1969/2002.</div>Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-90816808058710643012008-05-31T14:30:00.000-07:002008-05-31T14:31:59.952-07:00PERCEPÇÕES DO CORPO NA CIDADE DE NATAL<div align="justify"><br />Compreende-se que a experiência perceptiva é uma experiência corporal na qual reencontramos ou religamos a unidade do sujeito e do mundo, bem como do próprio ato perceptivo. Merleau-Ponty faz a crítica ao pensamento objetivo, pois não há distinção entre o sujeito, o objeto e o ato de ligação, destacando o movimento e o sentir como elementos da percepção. </div><div align="justify"><br />“A percepção sinestésica é a regra, e, se não percebemos isso, é porque o saber científico desloca a experiência e porque desaprendemos a ver, a ouvir e, em geral, a sentir, para deduzir de nossa organização corporal e do mundo tal como concebe o físico aquilo que devemos ver, ouvir e sentir” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 308). Desaprendemos a conviver com a realidade corpórea e a aprender a partir da reversibilidade dos sentidos, privilegiamos uma razão sem corpo. No entanto, a percepção, compreendida como um acontecimento da existência, pode resgatar este saber.</div><div align="justify"><br />A teoria da percepção em Merleau-Ponty também se refere ao campo da subjetividade e da historicidade, ao mundo dos objetos culturais, das relações sociais, do diálogo, dos afetos, das tensões, das contradições. “O mundo percebido não é apenas o meu mundo, é nele que vejo desenhar-se as condutas de outrem” (IDEM, p. 453). Sob o sujeito encarnado, correlacionamos o corpo, o tempo, o outro, o mundo da cultura e das relações sociais.<br />Na pesquisa de campo, realizada entre os anos de 2006 e 2007, entrevistamos, com a colaboração de Thompson Pereira da Costa e Moaldecir Freire, bolsistas de Iniciação Científica, pessoas que participam de práticas corporais na cidade de Natal/RN, a maioria em espaços públicos da cidade (parques, praias, praças, áreas de lazer). Indagados sobre qual a motivação para realizar as práticas os sujeitos, homens e mulheres, jovens e adultos apontam para questões como manter uma vida saudável, finalidades estéticas e lazeres. </div><div align="justify"><br /> Destaca-se a relação entre a percepção do espaço e da própria cidade por meio das experiências corporais. Em cada uma das práticas observadas – tai chi chuan, yoga, caminhadas, surf, futebol, dança de salão, entre outras se constrói uma percepção específica do corpo e da cidade. As percepções apresentadas pelos sujeitos estão situadas em práticas de si históricas e socialmente localizáveis. Cada uma dessas práticas possui um programa que atende a tecnologia disciplinar, com indicações sobre os usos do corpo, do espaço, o controle do tempo, das emoções que vêm se configurando ao longo dos processos sócio-históricos, sendo investidas por determinações sociais, culturais, científicas, políticas.</div><div align="justify"><br />A percepção só é possível por meio dos vínculos corporais. As práticas corporais vividas pelos sujeitos revelam e escondem o que a cidade exclui. Essa percepção é intensificada com a afirmação dos sujeitos a respeito das diferenças entre as zonas administrativas da cidade e seus espaços para o lazer, a cultura, para o cultivo do corpo. A cidade tem correspondido a essas expectativas? Como essas diferenças são construídas e como afetam a percepção dos sujeitos? O processo de modernização da cidade de Natal, associado à requalificação espacial, foi introduzido e se intensifica, impondo-se uma paisagem urbana em que cada vez menos os espaços públicos como praças, parques e mesmo as praias são acessíveis (FERREIRA e MARQUES, 2000). </div><div align="justify"><br />Esse corpo capaz de sensação é também um corpo expressivo, no sentido cinestésico e político. As práticas corporais e as percepções dos sujeitos sobre as experiências corporais apontam para uma percepção da cidade cada vez mais condicionada por expectativas de saúde, boa forma e lazer.</div><div align="justify"> </div><div align="justify">As expectativas dos sujeitos em relação ao corpo, à saúde e ao lazer são condicionadas por um modo de vida urbano marcado pela segregação sócio-econômica e espacial encontradas na cidade, exploradas pela mídia, pela publicidade, cujas sutilezas são amparadas pelo domínio da tecnociência e do mercado, como bem demonstra os estudos de Silva (2001). </div><div align="justify"><br />Os shopping centers, as academias de ginasta com suas paredes de vidro são grandes vitrines do culto ao corpo contemporâneo. A vida ao ar livre parece cada vez mais distante das experiências corporais e da cidade. Para caminhar na praia, precisamos de uma série de equipamentos, cosméticos, orientações de um profissional especializado que nos afastam de nós mesmos e da própria cidade. </div><div align="justify"><br />Os espaços da cidade como lugares de encontro, convivência, culto ao corpo configuram as percepções, bem como as experiências corporais alteram a percepção dos espaços na cidade. As percepções dos sujeitos sobre suas práticas corporais, os cuidados com a saúde, as preocupações estéticas, os lazeres pautam-se por uma expectativa do corpo que segue, regra geral, uma ideologia do ser saudável e da cultura do bem-estar. Essas percepções poderiam ser ampliadas com outras formas de convivência com o corpo.<br /><br />Referências Bibliográficas<br />FERREIRA, Ângela Lucia e MARQUES, Sônia. Privado e público: inovação espacial ou social? Scripta Nova. Revista Electronica de Geografia Y Ciências Sociales. Universidad de Barcelona, n.69, agosto de 2000.<br />MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1994.<br />SILVA, Ana Márcia. Corpo, ciência e mercado: reflexões acerca da gestação de um novo arquétipo da felicidade. Campinas: Autores Associados; Florianópolis: Editora da UFSC, 2001.</div>Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-30524703561998653072008-05-15T15:51:00.000-07:002008-05-15T15:54:41.256-07:00MERLEAU-PONTY 100 ANOS: A FILOSOFIA E O MUNDO DE TODA A GENTE!<div align="justify"><br /> Maurice Merleau-Ponty nasceu no dia 14 de março de 1908, na França, e é considerado um pensador central do século XX. Se não fosse filósofo poderia ter sido antropólogo, como o amigo Lévi-Strauss. E o foi, de certa maneira, pois dizia que a filosofia deveria pensar o mundo de toda a gente, referindo-se aos sentidos individuais e coletivos atribuídos às experiências vividas como forma de pensamento e de conhecimento. Às vésperas do centenário de seu nascimento, é extremamente oportuno compreender a inserção do seu pensamento na cultura contemporânea, pois as questões que ele nos colocava, algumas ainda sem respostas, apresentam-se como desafios para a pesquisa, para o conhecimento, para as práticas políticas e sociais, para a vida. </div><div align="justify"><br />Aos 18 anos entrou para a École Normale Superieur (Escola Normal Superior), onde conheceu Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Claude Lévi-Strauss e outros estudantes que àquela época questionavam a filosofia ensinada na universidade e nos liceus. Queriam que a filosofia tratasse dos problemas e questões de sua época, tais como: novas descobertas da psicologia e da psicanálise, a iminência da guerra, a luta de classes, o movimento impressionista e o surrealismo no campo da arte, as questões da existência. Esse movimento causou grande impacto na intelectualidade francesa, repercutindo em outras partes do mundo, inclusive no Brasil, em especial no que diz respeito à filosofia do corpo, às idéias de subjetividade, liberdade, política, estética, entre outras.</div><div align="justify"><br />Em suas memórias, Simone de Beauvoir comenta que Merleau-Ponty tinha um profundo respeito pelas idéias, demonstrava rigor com as palavras e era extremamente gentil. Sempre reservado, sabia se posicionar de modo elegante. Mesmo em férias, dedicava, diariamente, duas a três horas ao estudo, leituras e anotações para os Cursos e para os livros.</div><div align="justify"><br /> Entre 1942 e 1945 publica duas importantes obras: A Estrutura do comportamento e Fenomenologia da Percepção, ambas voltadas para a reflexão sobre o corpo, a consciência, a racionalidade. Merleau-Ponty lecionou em importantes instituições como a Sorbonne e o Collège de France, influenciando uma geração de novos alunos, sendo que alguns deles, mais tarde, tornaram-se grandes pensadores, tais como Foucault, Le Breton, Pontalis, Lefort, entre outros.<br />Merleau-Ponty viveu a Segunda Guerra Mundial e a ocupação da França pelos alemães. Junto com Sartre e outros intelectuais franceses fez parte da Resistência, em um grupo chamado Socialismo e Liberdade. Com o fim da Guerra, funda com Sartre a Revista Les Temps Moderns (Tempos Modernos), da qual será o editor político até 1952. É uma época de vigor do pensamento marxista, escreve vários artigos, posteriormente publicados em Humanismo e Terror (1947) e As aventuras da Dialética (1955). Nestes escritos, marca suas divergências políticas com Sartre ao criticar as interpretações mecanicistas do marxismo que afetam a compreensão da dialética, dos movimentos revolucionários e da História.</div><div align="justify"><br />Morre repentinamente, no dia 3 de maio de 1961, aos 53 anos, acometido por trombose coronária. Em 1964, é publicado, sob os cuidados de Claude Lefort, O visível e o invisível, obra inacabada cujas anotações contêm o investimento em uma filosofia da carne que irá problematizar as relações entre corpo e alma, percepção e pensamento, entre outras dicotomias próprias ao pensamento moderno e mesmo à fenomenologia. </div><div align="justify"><br />No número especial da revista Tempos Modernos, publicado quatro meses após a sua morte, Sartre faz uma revisão de sua relação com Merleau-Ponty. Mesmo com o afastamento entre ambos, reafirma o afeto e o respeito pelo amigo e pelo filósofo que, para ele, continuava e continuaria sempre muito vivo.</div><div align="justify"><br />O pensamento de Merleau-Ponty contém questões, limites, desafios e apostas importantes para o conhecimento da filosofia, da arte, das ciências humanas e sociais que valem a pena ser conhecidas e estudadas, o que vem ocorrendo em várias áreas do conhecimento em todo o mundo. Com Merleau-Ponty aprendemos que pensar é ensaiar, operar, transformar por meio das experiências do corpo, da linguagem e da cultura o próprio pensamento, o conhecimento e a nossa experiência vivida. Essa posição faz toda a diferença em relação à tradição do pensamento ocidental e irá marcar as gerações seguintes nos campos da filosofia e das ciências humanas e sociais.</div><div align="justify"><br />Segundo François Dosse, em História do Estruturalismo, Merleau-Ponty abre o campo filosófico para a inteligibilidade do irracional, sob a dupla figura do louco e do selvagem. Dava-se a duas disciplinas, a antropologia e a psicanálise, uma posição de destaque que elas ocupariam efetivamente nos anos 60. De fato, Merleau-Ponty descreveu a experiência do corpo na filosofia, nas ciências, em particular na fisiologia e na psicologia, mas também na sociologia, na história, como podemos ler em as Ciências do homem e a fenomenologia e em Signos. Como filósofo procurou compreender a arte, as significações disponíveis e as questões que a obra coloca ao nosso olhar. Procurou ampliar o diálogo da Filosofia com a vida, as ciências, a arte, a literatura.<br />Terá sido esse percurso filosófico suficiente? Certamente não, pois Merleau-Ponty recusa-se a instalar-se de modo absoluto no saber. A fenomenologia de Merleau-Ponty não possui respostas e nem mesmo apresenta-se como método universal. No entanto, o conhecimento do corpo em sua crítica à epistemologia positivista; o redimensionamento da consciência em direção à percepção e desta em direção a uma experimentação do corpo; a compreensão do conhecimento sensível como interrogação sobre a racionalidade; o logos estético e a estesia da linguagem, dos afetos, da sexualidade, entre outros aspectos de sua obra nos, oferecem pistas, ferramentas, noções, conceitos importantes para os estudos do corpo nas práticas educativas, nas experiências da arte e da cultura e da própria filosofia. </div><div align="justify"><br />O vivido, espaço onde todos os conteúdos empíricos são dados à experiência, é também condição de possibilidade da filosofia e da ciência, uma vez que a fenomenologia desloca o pensamento para a compreensão do vivido, na espessura do corpo, da história e do sentido. Ao buscar as significações, os sentidos das experiências vividas, a fenomenologia arrisca-se no empírico, mas não se ata ao empirismo de nenhuma ordem. </div><div align="justify"><br />Antes disso, alia-se ao impensado, buscando outras formas de compreensão das situações, dos discursos, das experiências, da corporeidade. Para Merleau-Ponty, o corpo está para além da justaposição dos órgãos como concebido pelas ciências. A noção do corpo como carne evidencia o desapego de Merleau-Ponty à filosofia da consciência e o deslocamento epistemológico em sua fenomenologia para além dos caminhos da percepção, cuja tarefa assume o lugar de uma meditação inacabada sobre o corpo e sua linguagem. </div><div align="justify"><br />Seria preciso esquecer o grande projeto da fenomenologia para reconquistar a força do espanto na inexplicável animação do corpo, referindo-se ao movimento humano e, dessa maneira, situar-se para além da percepção, na estesia do corpo, na comunicação dos gestos e em outras linguagens cuja relação com a pintura tornou-se emblemática. A pintura não apenas ilustra, mas justifica a linguagem do corpo. Os olhares que se cruzam diante da obra de arte desafiam a analítica dos sentidos e as condições do conhecimento.</div><div align="justify"><br />Em seus ensaios estéticos, Merleau-Ponty dedicou-se a essa meditação do corpo como obra de arte e em cuja estesia encontrou novos arranjos epistemológicos. O logos estético proporciona um mergulho no sensível e um aprofundamento na carne. Nesse movimento, a relação corpo e alma ultrapassa o campo do visível para se encontrar com os símbolos, com o imaginário, com a história, com a sexualidade, entre outras formas de gestão da vida e do conhecimento.<br /><br /> Petrucia Nóbrega</div><div align="justify"><br />Para Saber mais<br /><br />Algumas obras de Merleau-Ponty publicadas no Brasil<br /><br /><br />Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.<br />O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 1992.<br />Signos São Paulo: Martins Fontes, 1992.<br />A prosa do mundo. São Paulo. Cosac&Naify, 2002.<br />O olho e o espírito. São Paulo. Cosac & Naify, 2004.<br />A Estrutura do comportamento. São Paulo. Martins Fontes, 2006.<br />Aventuras da dialética. São Paulo. Martins Fontes, 2006.<br />Psicologia e pedagogia da criança. São Paulo. Martins Fontes, 2006.<br /> </div>Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-64452935728525607272008-05-08T13:42:00.002-07:002008-05-08T14:28:49.286-07:00OS ACROBATAS, A ESTESIA, O CONHECIMENTO DO CORPO<div align="justify">O poema Os acrobatas, de Vinícius de Moraes, na interpretação magnífica de Camila Morgado é um exemplo da estesia do corpo, nesse caso como acontecimento da obra de arte. Reparem a materialização da palavra que pulsa na voz, no corpo da atriz. Ela nos transporta, os nossos sentidos se mobilizam. </div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"><em>(...) Subamos!Subamos acima</em></div><div align="justify"><em>Subamos além, subamos acima do além, subamos!</em></div><div align="justify"><em>Como dois atletas. O rosto petrificado no pálido sorriso do esforço</em></div><div align="justify"><em>Subamos acima, com a posse física dos braços e os músculos desmesurados, na calma convulsa da ascensão (...). </em></div><div align="justify"><em></em> </div><div align="justify"><em></em></div><div align="justify"></div><div align="justify">No Curso sobre a Natureza, ministrado no Collége de France entre os anos de 1956 e 1957, Merleau-Ponty apresenta uma análise do corpo com entrelaçamento entre natureza e linguagem, expressão simbólica. Nesse curso, afirma que a Natureza é um objeto enigmático, posto que não é inteiramente um objeto; ela não está inteiramente diante de nós. Nas últimas lições, sétimo e oitabo esboços, como consta na publicação brasileira dessa obra (Martins Fontes, 2000), Merleau-Ponty interroga sobre as razões dessas análises sobre a natureza: <em>O que elas nos ensinam sobre a arqueologia do corpo, e, em especial, do corpo humano? </em></div><div align="justify"><em></em> </div><div align="justify">Entre outras questões, a estesiologia (ciência dos sentidos) abre o meu corpo para o exterior, incorporação, um corpo poroso (orifícios, passagens), que é também a indivisão do meu corpo e dos outros corpos (Tu e eu, nós). C<em>omo no circo, onde as partes do corpo são misturadas umas às outras</em> (vide o acrobata). A sensorialidade é um investimento que configura a estesia, a capacidade fisiológica, simbólica, histórica, afetiva de impressão dos sentidos (tocar, olhar, SENTIR), outros modos de conhecer. O sujeito corpóreo, sensorial assim descrito também é desejo. </div><div align="justify"><br />Como incorporar essa estesia em nossas pesquisas, nas práticas educativas, em nossas vidas?</div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"> </div><div align="justify">Petrucia Nóbrega</div>Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-7412941725886709480.post-88661401691131751862008-04-25T16:16:00.000-07:002008-04-25T16:19:18.738-07:00PESQUISAS SOBRE O CORPOA compreensão do corpo como obra de arte advém da interrogação de Merleau-Ponty sobre a pintura. Em seus ensaios estéticos, Merleau-Ponty dedicou-se a uma espécie de meditação do corpo como obra de arte para criar deslocamentos em sua filosofia. A pintura não apenas ilustra, pois os olhares que se cruzam diante da obra de arte desafiam a analítica dos sentidos e as condições do conhecimento.<br /><br />Nos esboços da dança as silhuetas são definidas com vigor e, ao mesmo tempo, apresentam-se inacabadas. La danse: Cinco corpos vermelhos, um monte verde, um céu azul, a farândola contagiou Matisse. “Os dançarinos se agarram pela mão, correm pelo salão envolvem as pessoas que estão afastadas... é algo extremamente alegre... Não precisei me aquecer, essa dança estava em mim” (MATISSE apud PLEYNET, 1994, p. 328). Na dança as figuras não estão ligadas por nenhuma dinâmica unificadora, bem como a sensação do movimento não é determinada em nenhum ponto do espaço, nem mesmo do corpo. Tal configuração apresenta-se como uma lição sensível para o corpo, a arte, a filosofia, a educação.<br /><br />Petrucia Nóbrega<br />trecho da comunicação no Colóquio Narradores do sensível: Merleau-Ponty e Lévi-Strauss 100 anos, realizado de 13 a 14 de março de 2008, na UFRN.Petrucia Nóbregahttp://www.blogger.com/profile/01957142672715084190noreply@blogger.com7